3.11.08

os ideólogos e o canivete suíço



Chamo ideólogos a quantos usam uma grelha rígida de interpretação da realidade e só vêem nos acontecimentos aquilo que consola a respectiva ideologia, a quantos sabem sempre de antemão para onde vai o mundo e quais as ferramentas a usar para o tornear, a quantos já aprenderam nas respectivas "escolas" tudo o que há a fazer quando chove e quando faz sol. (Eu não tenho o velho preconceito contra a "ideologia": tenho um sempre renovado preconceito contra as cabeças duras.)
Chamo oportunistas aos que só pensam no seu próprio interesse directo e, em vez de simplesmente fazerem por ele com desvergonha, estão sempre a arranjar teorias para justificar os seus actos de acordo com a moda mais recente. No fundo, sentem-se em pecado e, em vez de se confessarem, fazem o teatro dos comentadores: alinham na onda mais colorida em cada momento, certos de que daqui a duas horas já ninguém se lembra da sua anterior diatribe.
Chamo "canivetes suiços" aos que têm princípios mas, não acreditando que dos princípios se deduzam automaticamente todas as soluções para a espantosa imaginação da realidade, querem poder dispor de vários instrumentos e usá-los consoante a situação, atendendo ao concreto e aceitando que os valores centrais têm por vezes de ser defendidos de formas que não fomos capazes de antecipar. Estes são frequentemente criticados por "falta de rumo" - por parte daqueles que, embora só tenham um rumo possível, e ele não vá a lado nenhum, estão descansados porque não têm de fazer, apenas de criticar.
Isto tudo a propósito desta nacionalização do banco BPN. Alguns estão a favor ou estão contra "porque sim", porque se trata de uma profecia que a sua ideologia manda ler nas estrelas (por exemplo, o PCP parece ser a favor desde que a medida não seja transitória e o banco não volte a ser privatizado). Outros estão a favor porque lhes salva a pele, apesar de isso pintar de lama todos os seus preceitos políticos. O ministro das finanças, que parece ver-se a ele mesmo mais como um avô ajuizado do que como um revolucionário na economia, parece apenas querer que o seu canivete suíço seja tão diversificado quanto possível para poder usá-lo o mais eficientemente possível na maior diversidade de desafios que apareçam pela frente. Mesmo que isso implique usar ferramentas "malditas" para os ideólogos da direita. E sem que isso implique usar certas ferramentas na forma prescrita nas "receitas" dos ideólogos da esquerda. Ainda bem. Porque o tempo que vivemos precisa muito de canivetes suíços. E pouco de ideólogos. Caso contrário, quem se safa são os oportunistas.

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