11.9.24
O DEBATE. Trump vs Kamala, claro.
3.9.24
OE 2025: falar claro sobre o país
OE 2025: falar claro sobre o país
A posição do PS é que estamos a tratar de um assunto sério (embora não seja a única matéria a merecer debate político) e que, por isso, o país pode continuar a contar com a nossa responsabilidade e com o nosso compromisso com as propostas e com os valores com que nos apresentámos ao eleitorado.
Foi essa responsabilidade e verticalidade, com clareza e transparência, que, ontem, mais uma vez, em Tomar, assumiu o Secretário-Geral do PS. Disse, na ocasião, várias coisas muitíssimo acertadas:
(1) O PS só pode começar a negociar o OE quando receber a informação necessária para avaliar a situação do país. Evidente: o contrário seria irresponsabilidade.
(2) O PS não aceitará um OE que tenha implícitos os regimes IRS e IRC que a AD propôs na AR. Claro: se têm uma pequeníssima maioria e querem impor a sua visão unilateral, é porque não querem aprovar o OE nem estão a ser sérios com o PS.
(3) Se as autorizações legislativas relativas aos regimes fiscais forem aprovadas com a IL e o CH, é com esses partidos que o governo tem de aprovar o OE. Claro: a AD não pode querer fazer governação séria com a técnica das duas caras, que consiste em pedir ao PS os votos para fazer a política dos radicais de direita.
(4) Cumpridas as três condições anteriores, então apresentaremos as nossas propostas para o OE. Certo: continuamos a ter uma posição construtiva, como temos tido desde que se iniciou esta legislatura. Coisa de que, pelo contrário, a AD não tem dado quaisquer mostras.
Acresce: a AD, com esta maioria frágil, só pode querer aprovar o OE com cedências relevantes ao partido de oposição com que quase empatou. Certo: a democracia é esse pluralismo, não é ganhar por uma unha negra e querer governar sem ter em conta os outros eleitos pelo voto do povo - de cujos votos, aliás, precisam.
Pedro Nuno Santos posicionou o PS neste debate de forma clara, correcta, construtiva e responsável. Não fez nenhuma exigência maximalista. Não bloqueou nenhuma possibilidade. Deixou caminho aberto para que Luís Montenegro se deixe de jogos florais e assuma as suas responsabilidades.
(A publicação original pode ser encontrada aqui: EDITORIAL. OE 2025: Falar claro sobre o país )
18.7.24
Senhor PM, a tática da má-fé prejudica a democracia
A propósito do debate do estado da nação, ontem, no Parlamento, publiquei ontem este editorial no Acção Socialista, que aqui deixo para registo.
SENHOR PM, A TÁTICA DA MÁ-FÉ PREJUDICA A DEMOCRACIA
Ninguém critica o Governo Montenegro por não ter feito tudo
em 100 dias. Tal como ninguém critica que o governo da direita aproveite um
certo grau de convergência interpartidária registada na última campanha
eleitoral para as legislativas em torno de certas matérias para as fazer
avançar. Como aconteceu com as reivindicações dos professores relativas à sua
carreira, que teriam registado avanços qualquer que fosse o resultado das
legislativas. Não será o PS a cometer esse erro, até porque temos consciência de
que não conseguimos fazer tudo o que planeámos, num ciclo político que
enfrentou uma crise sanitária sem precedentes, uma guerra na Europa e uma crise
inflacionária com uma dimensão desconhecida para muitos. Não será o PS a
cometer esse erro, porque sabe que há muito por fazer, como sempre dissemos,
apesar de o seu ciclo de governação ter sido interrompido de forma extemporânea
e artificial.
O que se critica ao Governo é que seja mais um departamento
de propaganda do que um executivo nacional. Que tente enganar o país e fazer
passar por suas medidas que herdou, legisladas e em execução: como foi o caso
com a descida do IRS. Que não se importe de arriscar a credibilidade
internacional do país por pura tática política: como foi o caso com a tentativa
de denegrir o estado das finanças públicas, no que só recuou depois de
desmentido pela Comissão Europeia. O que se critica ao Governo é a tomada de medidas
que agravam as desigualdades em prejuízo dos que mais precisam, como é o caso
da operação fiscal justificada como política para os jovens. O que se critica é
a arrogância da incompetência, como tem sido demonstrado na área governativa da
Saúde, com tantos casos que seria difícil ter aqui espaço para elencar todos. O
que se critica ao Governo é que se esforce mais para parecer que governa do que
para governar.
Se não se critica o Governo por não ter feito tudo em 100
dias, tem de criticar-se o Governo por se esgotar na guerrilha política e
mostrar completo alheamento face à responsabilidade, que é sua, de trabalhar
pela estabilidade da governação que propõe ao país.
Se um governo minoritário, liderado por um primeiro-ministro
cujo partido tem apenas uma bancada parlamentar da mesma dimensão da bancada do
maior partido da oposição, claramente insuficiente para governar sozinho,
aproveita o momento solene do debate parlamentar do estado da nação para atacar
em puro “politiquês” o principal partido da oposição, mostra o nível da sua
(fraca) ambição. Luís Montenegro não procura tempo e apoio para desenvolver
políticas públicas que continuem o esforço de desenvolvimento do país, porque
se o quisesse apresentaria ao Parlamento as suas ideias para construir as
soluções que o permitissem. Luís Montenegro não procura construir convergências
a partir da pluralidade, que é o esforço normal e necessário em democracias
onde a representação popular é ela mesma plural – e até, cada vez mais,
fragmentada –, continuando, ao contrário, num espírito de desforra que não pode
ser bom conselheiro: como exibiu hoje, de novo, no parlamento, classificando
como “usurpação” a constituição, em 2015, de uma maioria das esquerdas para
interromper a governação “além da troika” (esquecido, talvez, daqueles que, no
seu campo político, tinham já anteriormente teorizado a razoabilidade de
explorar todos os mecanismos constitucionais para criar uma maioria política,
mesmo contra a força que chegasse em primeiro lugar).
Se não se critica o Governo por não ter feito tudo em 100
dias, o mesmo tem de ser criticado por querer ser o Governo dos 300 dias.
Quando o PS oferece disponibilidade para discutir, sem linhas vermelhas, as
grandes opções contidas no orçamento de Estado, o Governo procura saturar a
paciência dos socialistas com agressividade verbal e puro desdém. O Governo não
quer ter condições para governar. O Governo quer, apenas, poder continuar em
campanha eleitoral – e, para isso, procura umas eleições rápidas. Quem conduz
politicamente este Governo quer repetir a tática do “deixem-nos trabalhar” e
das “forças de bloqueio”, esquecendo que, passados todos estes anos depois da
primeira volta dessa tática, a instabilidade política tem um preço exorbitante,
que é a progressão do extremismo populista. A escolha da agressão constante ao
maior partido da oposição, tentando que se torne para os socialistas
insuportável negociar com quem assim se comporta, exibe uma má-fé política de
quem, depois, proclama uma abertura retórica nunca concretizada para
“consensos”.
A democracia não precisa de falsos consensos. A democracia
não precisa de que estejamos todos de acordo; precisa que as forças
democráticas sejam capazes de trabalhar por compromissos razoáveis e
equilibrados, compromissos que não ignorem as diferenças políticas e não
impliquem a renúncia aos valores fundamentais de cada um dos interlocutores.
Pretender que, em democracia, a vontade do Governo prevalece “porque sim”,
mesmo sem apoio maioritário, desconsiderando a representação cidadã que foi
confiada também a outros partidos, é negar a própria democracia. Usar
retoricamente a necessidade de compromissos e, depois, fazer tudo para afastar
quem está disposto a discutir peças tão decisivas como o orçamento de Estado, é
usar de má-fé. É preciso que o senhor primeiro-ministro compreenda que a má-fé
no debate democrático vai contra a própria essência deliberativa da democracia
– e vai de par com a sua tendência para desvalorizar o parlamento. A má-fé, a
retórica do diálogo usada como mero ingrediente de uma estratégia de
confrontação e rutura, com meros intuitos eleitoralistas, é deslealdade à
própria democracia. Senhor Primeiro-Ministro, essa tática da má-fé prejudica a
democracia – e a vida da democracia, estando difícil por todo o lado, bem
dispensa que se ofereçam mais oportunidades aos que engordam na instabilidade e
no clima de confrontação extremada.
9.7.24
Contributo para compreender a política em França nos próximos dias
8.7.24
Derrotar a extrema-direita, não apenas por agora, mas duradouramente
DERROTAR A EXTREMA-DIREITA,
NÃO APENAS POR AGORA, MAS DURADOURAMENTE
Ontem, festejámos uma realização importante: os franceses
travaram a extrema-direita! A Nova Frente Popular, juntando uma pluralidade de
forças de esquerda – entre as quais, o Partido Socialista Francês –, num acordo
político e eleitoral concretizado em pouquíssimos dias, elegeu mais deputados
do que qualquer outra candidatura. O Ensemble, reunindo várias forças que se
movem na influência do Presidente Macron, ficou em segundo lugar. Em terceiro
lugar, em número de deputados, ficou o partido de extrema-direita animado por
Marine Le Pen.
Numa semana em que tivemos duas eleições legislativas
importantes no espaço europeu, Reino Unido e França, os socialistas têm muita
coisa a festejar. O Partido Trabalhista britânico conquistou uma larguíssima
maioria absoluta, acabando com mais de uma década de trapalhadas dos
conservadores e permitindo a esperança de uma governação mais decente naquele
país (por exemplo, acabando com o projeto de entrega de refugiados a países
terceiros, ao arrepio das garantias com que os países civilizados se comprometem
face à lei internacional). Pelo seu lado, o Partido Socialista Francês integrou
a vasta reunião de forças de esquerda que trabalhou para impedir o acesso da
extrema-direita ao poder – tendo conseguido concretizar esse desiderato. São,
pois, duas realizações positivas de partidos com quem o PS mantém estreitas e
cordiais relações, baseadas em valores e compromissos progressistas.
Convém, no entanto, continuar com os pés bem assentes na
terra e sermos capazes de medir os desafios que temos perante nós. No Reino
Unido, o Reform UK, o partido extremista liderado por Nigel Farage (o Trump
inglês), só conseguiu eleger quatro deputados para a Câmara dos Comuns (o que
compara com mais de quatrocentos eleitos pelo Labour), mas isso deveu-se ao
sistema eleitoral vigente (uninominal maioritário a uma volta, em que, em cada
círculo, “o vencedor leva tudo”). Em votos, esse partido extremista colheu mais
de 14%. Ficou, pois, em terceiro lugar (os Trabalhistas venceram com mais de
33% e os Conservadores ficaram com mais de 23%). Em França, o partido
extremista, que tenta apresentar uma imagem adocicada para melhor enganar os
incautos, e que vai navegando em sucessivas gerações Le Pen, tendo, graças à
“frente republicana”, ficado em terceiro lugar em número de assentos na
Assembleia Nacional, recolheu cerca de 32% do voto popular, contra um pouco
mais de 25% da Nova Frente Popular e um pouco mais de 23% das forças centristas
mobilizadas por Macron. Era com este sistema que a extrema-direita ambicionava
chegar à maioria absoluta, chegando o seu candidato a primeiro-ministro a dizer
que só formaria governo nessas condições, pelo que não devemos dar qualquer
crédito aos seus protestos pelo funcionamento do sistema depois de conhecerem
os resultados das urnas – mas a questão merece reflexão.
O que estes números nos dizem é que, mais do que derrotar a
extrema-direita hoje, é preciso derrotar a extrema-direita duradouramente. Agir
nas raízes, não apenas na copa das árvores. É preciso eliminar as causas
sociais e políticas do avanço da extrema-direita, única maneira de evitar que
ela volte, mais forte a cada nova perturbação, até derrotar a democracia.
Para derrotar as causas sociais do avanço da extrema-direita
é preciso ultrapassar a insensibilidade social que, por vezes, impede os
partidos democráticos de atentar mais cuidadosamente na vida concreta das
pessoas e dos territórios – e de lhes dar respostas substantivas. Em França,
essa insensibilidade social apresentou-se, nos últimos anos, desde logo, no
topo do Estado, com a atitude do Presidente Macron, tornando-se a marca dessa
forma de centrismo equilibrista e com uma ideia de progresso excessivamente
abstrata e desligada das realidades sociais.
Para derrotar as causas políticas do avanço da
extrema-direita é preciso insuflar vida nas instituições democráticas,
permitindo que a discussão real e concreta da vida quotidiana de todos os
cidadãos e de todos os territórios se torne o centro da vida política – e
criando espaços de verdadeira deliberação democrática, de tal modo que se torne
visível que aquilo de que os políticos falam é mesmo acerca dos melhores
caminhos para conseguirmos, todos, uma vida melhor. Uma democracia deliberativa
é uma democracia que não se esgota na prevalência dos que têm mais votos: é uma
democracia que se exerce escutando efetivamente os argumentos dos outros e
integrando todos os contributos positivos num processo de ir continuando a
tentar fazer melhor.
Para derrotar as causas políticas do avanço da
extrema-direita é preciso que a esquerda não renuncie a ser alternativa: em vez
de querer apenas rodar no poder com a direita, a esquerda deve trabalhar para
oferecer soluções melhores, mais justas e mais sustentáveis, para a vida das
pessoas e do país. Por isso, no caso da França, é importante que a Nova Frente
Popular seja capaz de se manter unida a trabalhar por uma visão alternativa
para a governação do país, com o programa comum que as diferentes forças de
esquerda apresentaram em conjunto ao país, capaz de ultrapassar a
insensibilidade social que o bloco centrista liderado por Macron tem
protagonizado. E, ao mesmo tempo, para garantir que a derrota da
extrema-direita não é momentânea, mas duradoura e profunda, é preciso que a
esquerda vencedora, a Nova Frente Popular, seja capaz de trabalhar com as
demais forças democráticas para criar o espaço social necessário para tratar
das feridas e ir em frente: se foram capazes de se eleger mutuamente, apesar
das diferenças, deverão ser capazes de recusar à extrema-direita a
instabilidade e a crispação de que ela se alimenta.
Numa democracia representativa, onde o parlamento é o lugar
central de deliberação, não faz sentido continuar com a ficção de que basta
chegar à frente numa eleição para poder governar sozinho. Ninguém pode nunca
governar sozinho, mesmo que tenha maioria absoluta no parlamento, porque,
felizmente, a sociedade conta – e conta cada vez mais. Mais claro se torna que,
ficando em primeiro lugar, mas com maioria relativa, é preciso trabalhar num
horizonte mais amplo. E, claro, a esquerda só pode escolher trabalhar com os
democratas, com os outros democratas. Com os democratas que não hesitam em
defender a República face à ameaça da extrema-direita, porque só esses são
democratas com que se pode contar. Numa palavra: em tempos difíceis, em
democracias complexas, o sectarismo é suicídio. Em França como alhures. Quer
isto dizer que a esquerda deve perder de vista a sua diferença, o seu
contributo próprio? Não. Quer dizer que a esquerda relevante é a esquerda que,
antes de mais, é a força democrática por excelência, a força determinante para
que prevaleça a democracia contra o fechamento das sociedades e contra as
tentações totalitárias.