28.11.08

grandes investimentos em publicidade (IV)



MADE OUT
por Joaquim Castro Caldas, in Convém Avisar os Ingleses, edições quasi



Importámos da Escócia os tatoos militares, o tecido para o cachecol que utilizamos para as cortinas, o whisky falsificado para acender lareiras e a medicina especializada para os filhos dos burgueses.
Importámos de Inglaterra os monóculos dos marechais, os chuis que vão buscar a walter e disparam na mulher se o porco não estiver assado à hora da novela, o cinismo subtil e os folhetins das mulheres a dias da rainha.
Importámos da Irlanda as meias de senhora para os assaltantes de bancos, uma certa desconfiança pela igreja e o terrorismo rafiné.
Importámos do País de Gales as bolas de rugby para os estudantes ricos – os filhos de vidro do Poder – que fazem uma cadeira por ano.
Importámos de França as críticas dos jornais, os nossos próprios emigrantes, a snobeira dos foyers, as obras completas de Victor Hugo só para encher as estantes, os requintes judeus do Eça de Queiroz e a vida privada da Mireille Mathieu.
Importámos do Mónaco a fuga aos impostos e as crónicas femininas sobre os jogadores de ténis à vez das princesas.
Importámos de Espanha os crimes passionais, as frases das portas dos urinóis, as tintas para o cabelo dos punks, o complexo de guerra civil e eventualmente a boa educação.
Importámos de Andorra os blusões para os fogos postos, as botas de ski para as inundações e o contrabando de soutiens.
Importámos da Alemanha Federal o turismo do Algarve, as contas de cabeça do Sr. ministro das finanças, o chichi dos bordéis de cerveja enlatado e o faro dos cães para a droga.
Importámos da outra Alemanha a celulite das atletas do Ginásio Clube, o arame farpado para os jardins-escolas, a tentação da denúncia, material da I guerra para a tecnologia da tropa e as balas da GNR.
Importámos da Bélgica a inteligência, como toda a gente, a água oxigenada para o cabelo das meninas da caixa dos supermercados, as munições que já não servem nas armas que já ninguém usa e a vida privada do Art Sullivan.
Importámos do Luxemburgo os carros alugados para vir um mês de férias mostrar lá na aldeia que se tem automóvel depois de 11 meses de escravo e depois morrer bêbedo na estrada na viagem de regresso.
Não sei de onde é que importámos as casas de banho do avesso com que se anda a espatifar a paisagem por esse Portugal fora.
Importámos da Suíça o civismo dos árbitros para o Benfica-Sporting, os cravos vermelhos de plástico para os aniversários dos golpes de Estado, a reputação de lava-pratos eficazes, as fortunas pessoais dos funcionários dos penhores e eventualmente a pontualidade.
Importámos de Itália a psicose industrial para usar na agricultura, a corrupção política para usar em pequenas doses e com receita médica, as patilhas até ao queixo, a brilhantina dos empregados da CP, s bólides para os meninos queques espetarem nos rallys, as cuequinhas de cera para tapar o sexo das estátuas nas igrejas e eventualmente o falar de mansinho à saída dos jogos de futebol.
Importámos da Grécia o excesso de sensatez das donas de casa e um certo estado de decomposição do património.
Importámos da Holanda quase todo o hard-core 1º escalão e uma percentagem considerável das vacas da Feira do Ribatejo.
Importámos da Áustria os lugares dos mutilados nos autocarros que não servem para nada porque eles não conseguem entrar nos autocarros e a mania de que é chic chegar atrasado meia hora às estreias de teatro.
Importámos da Dinamarca a mentalidade preocupante dos vídeos e penteados dos anos 80.
Importámos da Suécia o mito da boazona e eventualmente a sobriedade alcoólica ao volante.
Importámos da Noruega o infiel amigo e só não importámos nada da Finlândia porque não há lá nada que interesse à nossa amena temperatura.
Importámos da Rússia as medalhas para condecorar os artistas que atinjam uma idónea senilidade, as histórias da Sibéria para massacrar as crianças, os efeitos psicológicos do imobilismo dos jogos de xadrez, os boatos da morte dos governantes e a prepotência dos canhões.
Importámos dos outros países de Leste o sofrimento militar para aliviar o sado-masoquismo civil.
Importámos de Marrocos a grande pedra.
Importámos do cansaço de guerra ultramarino o 25 de Abril sobre o joelho e as fardas para os teenagers se mascararem.
A única coisa relevante que importámos das antigas colónias foi um canibal de Cabo Verde que comeu o fígado de uma criança nos arredores de Lisboa.
Importámos dos países árabes o asseio das retretes dos lugares públicos.
Importámos da Índia um documentário sobre a nossa épica debandada.
Importámos do Japão os pacotinhos de Vinho do Porto em pó para beber nos aviões, os gritinhos das jogadoras de voley, o turismo de massas do hotel ao hotel e do hotel para o hotel, os filmes a mais e o comer a horas mesmo sem fome.
Importámos da América Latina o espectáculo dos bancos dos hospitais, a coca dos barões, o hábito prático de levar a cozinha e a mobília da sala para a praia, partidos políticos do século passado e slogans demagógicos ou inconsequentes.
Somos exportados pela China em Macau onde não temos sorte nenhuma ao jogo.
Importámos do Brasil o dia-a-dia ocioso e fútil das funcionárias do Estado, a língua de trapos das manicures, as brocas dos dentistas, o mau hálito das meninas dos telefones, as sopeiras da TV Globo, a alegria à força e uma dor de cotovelo incestuosa.
E no fim deste estendal ainda fomos obrigados a importar a ingerência externa dos computadores americanos que nos ensinam a lidar com esta gigantesca salada fria de Cultura que não é nossa e que talvez até nos convenha agora, aos poucochinhos, começar a exportar.