14.11.08

BÓRGIA, de Manara e Jodorowsky - Parte 1


Juntas, a maestria de Milo Manara na erotização da imagem e a de Alejandro Jodorowsky na construção de ambientes esotéricos e simbólicos, dão um notável resultado na série Bórgia, série cujo primeiro volume saiu em francês em 2004 e teve tradução para português de Portugal em 2006. O segundo volume, que já saiu no Brasil, parece que ainda não apareceu por cá. Vamos aqui ler o primeiro volume, qualquer dia daremos conta do segundo.



Capa.
(Todas as imagens podem ser aumentadas clicando sobre elas.)


Este álbum retrata um tempo (final do século XV, princípio do século XVI) e um lugar (o Vaticano, cidade-estado no meio dos conflitos intrincados em que estavam atolados vários estados da mesma península) - tempo e lugar que eram de corrupção generalizada dos costumes, incluindo no meio do alto clero da Igreja Católica. Um tempo de desordem civil, de guerra e de insegurança, de instabilidade política. Um cenário onde o quartel-general da Igreja Católica é uma potência política podre por dentro, mais do que uma instância religiosa que reivindicava ser "a representante de Cristo na Terra".



O Papa Inocêncio VIII queixa-se da situação política.


Nesta Roma, personagens como o frade Savonarola, que entendem dever denunciar os podres da sociedade, são considerados fanáticos por se dedicarem a essa denúncia.



Savonarola pregando.


Além de um retrato de época, esta obra é também um retrato de papas. Claro, antes de mais, do Papa Alexandre VI, de seu nome Rodrigo Bórgia, espanhol (catalão), que foi o príncipe da corrupção sem limites, antes e durante o seu reinado papal, entre 10 de Agosto de 1492 e a sua morte em 18 de Agosto de 1503.
Contudo, a história começa com o seu antecessor, o Papa Inocêncio VIII, que ocupou "o trono de S. Pedro" entre 12 de Setembro de 1484 e a sua morte a 25 de Julho de 1492. Inocêncio VIII aparece aqui já às portas da morte - mas mesmo assim exibindo alguns dos seus traços característicos. A sua luta contra a doença e a morte, ainda assim, deram-lhe algum pioneirismo: foi a primeira pessoa a receber uma transfusão de sangue, embora não lhe tenha valido de nada. Mas alguém pagou essa inovsção...





Inocêncio VIII, beneficiário da primeira transfusão de sangue.


Esse mesmo Papa tinha mais ideias estranhas acerca das formas de se revitalizar...






De qualquer modo, mesmo os Papas morrem. Inocêncio VIII (os nomes que eles escolhiam) não foi, nisso, excepção. E quem estava decidido a tomar-lhe o lugar era o já mencionado cardeal Bórgia, que tinha, aliás, o apoio do seu antecessor. As pretensões do Bórgia não se deviam às suas particulares virtudes. Antes, à sua ambição. O facto de ter uma mulher/amante, com casa posta por ele e por ele publicamente protegida, não era impedimento.




É claro que a peste tinha de obedecer ao cardeal,
especialmente na função de protector da sua amante.



Está bem de ver que obra onde Manara ponha a mão explora o mais desbragadamente possível todas as pistas sexuais. É também assim o caso com a figuração do primeiro encontro entre o cardeal Bórgia e a sua amante especial nesta época: ele encontra-a estando ela a "sexualizar" com a estátua de um santo.




Tudo isto assentava na ideia de Deus como um instrumento dos poderosos da Igreja, como se exemplifica na fala do quadradinho seguinte.



"Se o ser misterioso a quem chamamos Deus não o impedir,
tornar-me-ei papa..."


É pois esta criatura virtuosa que parte à conquista do trono papal. Era por votos, mesmo assim. Havia, pois, que comprá-los. Isto já está muito pesado e, portanto, poupamos aos leitores alguns dos episódios desta fase da história... Mas, claro, o episódio de eleição do sucessor apostólico de Pedro, mete toda a política mais suja, incluindo a eliminação física de apoiantes dos adversários.





Seja como for, o cenário da eleição propriamente dita é grandioso...




E depois de algumas peripécias, está santamente eleito o Papa Alexandre VI.




Está assim no seu lugar, para a continuação da série, o respectivo "herói".
E, mais uma vez, onde Manara se mete a desenhar temos prometida exuberância. E já vimos noutras ocasiões que ele sabe escolher o material, de tal modo que mesmo aquilo que nos parece exagero da sua parte é, quando vamos a ver, rigor histórico e fidelidade aos materiais "sérios". É que a vida propriamente dita é tão bizarra que às vezes Manara até pode parecer um inocente desenhador...

(Nota: as imagens são da edição brasileira, e não da portuguesa.)