24.6.20

Fazer do próximo ano letivo mais uma jornada de educação para todos




Para registo, aqui fica a minha intervenção esta tarde no Parlamento.

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É oportuno o debate que o Bloco de Esquerda nos propõe hoje, quando o Ministério da Educação está a auscultar os parceiros educativos para afinar o plano de abertura do próximo ano letivo.

A verdade é que enfrentamos o próximo ano letivo com os olhos postos na missão da escola pública, para evitar que as desigualdades de condição social e de contexto familiar se reproduzam e perpetuem. O grande desafio é fazer do próximo ano letivo mais uma jornada de educação para todos.

É com os olhos postos nesse objetivo que temos de visar o pleno regresso ao ensino presencial – e daqui saudamos o Governo por ter assumido claramente essa missão. Os alunos e os professores não podem permanecer separados para sempre, embora isso tenha sido necessário durante um tempo.

Os meios digitais, o estudo em casa, as formas alternativas de comunicação, foram importantes e evitaram um isolamento maior, que teria sido ainda mais grave. Mas não substituem a interação humana.

É importante reforçar o digital ao serviço das aprendizagens, não só fora da escola, mas também dentro da escola. E temos os instrumentos para isso.

Não são só os equipamentos. É a conectividade móvel, é a capacitação, para alunos, docentes, formadores e técnicos. É a aposta em novos recursos educativos digitais de qualidade. É a tarifa social de acesso a serviços de Internet. É a inclusão digital de adultos. É, em suma, um vasto programa de democratização do digital.

Mas o digital é uma ferramenta, não é um substituto do presencial. Sempre soubemos disso e sempre o dissemos.

Porque importa fazer do próximo ano letivo uma jornada de educação para todos, saudamos o Governo por ter já fixado claramente o objetivo de investir desde o início do ano letivo na recuperação das aprendizagens. E temos as ferramentas para isso.

Com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória; com as Aprendizagens Essenciais, graças às quais não vamos obrigar os professores a pôr o cumprimento de programas demasiado extensos e rígidos à frente das aprendizagens dos alunos; com a autonomia e flexibilidade curricular, com os planos de inovação pedagógica, com as tutorias, temos as ferramentas para fazer o que é preciso: a margem de manobra que os professores e os técnicos precisam para dar as respostas adequadas aos contextos distintos, aos seus alunos concretos, às necessidades educativas diferenciadas.

E temos os meios do orçamento em vigor, e temos os meios do plano de estabilização, e temos os meios do plano de ação da transição para o digital. Não existe só o orçamento suplementar, nunca existiu só o orçamento suplementar.

Ninguém pode saber como será o mundo daqui a três meses. E teremos sempre de respeitar as orientações das autoridades sanitárias.

Mas sabemos que a escola pública respondeu prontamente, mantendo o acolhimento dos filhos de profissionais essenciais, mantendo a oferta de refeições escolares, criando rapidamente formas alternativas de aprendizagem. E sabemos que essa solidez de resposta assentou numa grande parceria, envolvendo os profissionais da educação, as escolas, e o próprio Governo. E sabemos que, nessa parceria, foi essencial que as soluções locais tivessem assentado na capacidade dos profissionais em cada escola para adequar as respostas à sua realidade concreta.

Por isso lhe pergunto, Senhora Deputada [Joana Mortágua], em relação ao projeto de lei que apresentam, e que é o contributo do Bloco de Esquerda para este debate, se será adequado prescrever agora uma redução universal do número de alunos por turma, sem sabermos qual será a situação sanitária daqui a três meses, sem sabermos se os condicionalismos se manterão estáveis durante o ano letivo, se serão iguais em todas as escolas e em todos os momentos, se as condições impostas pela D.G.S. se manterão, portanto sem podermos antecipar de forma tão genérica as necessidades reais de reorganização dos grupos de alunos.

Senhora Deputada, quando neva em Trás-os-Montes não se encerram escolas no Algarve. Por isso lhe pergunto se não será melhor deixar às escolas as condições para responderem especificamente à sua situação concreta, que poderá ser muito diferente de escola para escola e variar de uma semana para a outra, em vez de antecipar já um padrão nacional?



Porfírio Silva, 24 de Junho de 2020
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