6.10.23

Outra vez o 25 de Novembro

15:10
 

Os únicos vencedores do 25 de Novembro foram os que queriam uma democracia representativa para todos. Para todos.

Há quem tenha perdido no 25 de Novembro e agora o queira celebrar, talvez para disfarçar.


Perderam, no 25 de Novembro, os que se achavam donos da "legitimidade revolucionária" e entendiam serem eles os depositários da "linha justa", arrogando-se o direito de a impôr ao país - contra a legitimidade democrática verificada em eleições livres.

 

Perderam, no 25 de Novembro, os que tentaram aproveitar a ocasião para insistir no seu projecto de atirar (de novo) para a clandestinidade uma parte da esquerda portuguesa, designadamente pelo projecto de ilegalizar o PCP. Como Galvão de Melo: "fazei com que os comunistas só parem no mar".

 

Só venceram no 25 de Novembro os que lutaram coerentemente contra essas duas tentações e por uma democracia para todos. Como Melo Antunes, que veio logo dizer que o PCP era necessário à democracia. Como os socialistas no PS.

 

Os que, na direita, tiveram vergonha de aderir ao 25 de Abril (como Freitas do Amaral, a seu tempo, explicou, porque tinha ajudado a reciclar essa direira), quiseram, a partir de certa altura, ter outras datas para comemorar. É daqui que vem a tentativa de fazer do 25 de Novembro uma data paralela ao 25 de Abril. Mas, se há outras datas, não há paralelos. Houve outras datas (28 de Setembro, 11 de Março), mas não comemoramos nenhuma delas, apesar de nelas também termos vencido tentativas de golpadas. Porque nenhuma dessas datas tem paralelo com o 25 de Abril. O país foi magnânimo com os perdedores dessas golpadas (por exemplo, António de Spínola voltou e foi promovido a marechal), mas não confundimos as datas várias de um percurso com a madrugada inicial.

 

Quanto a Carlos Moedas, que esteve no centro de decisão dos que riscaram o 5 de Outubro da lista de feriados durante alguns anos, vir aproveitar a data para dizer que há mais datas para comemorar, é apenas ridículo. É mais um elemento de uma geração de dirigentes do PSD que não pensam no país, mas apenas nas larachas para alimentar a presença na comunicação social.

 
 
 
Porfírio Silva, 6 de Outubro de 2023
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24.6.23

Guiné-Bissau, eleições e democracia


O semanário Expresso, na sua edição de ontem (23 de Junho de 2023), publicou um texto meu espoletado pela circunstância de ter participado na Missão de Observação Eleitoral da CPLP às Eleições Legislativas que tiveram lugar na Guiné-Bissau no passado dia 4. Para registo, deixo aqui esse texto.

***

1. Tendo participado na Missão de Observação Eleitoral da CPLP às eleições legislativas da Guiné-Bissau 2023, enquanto membro da Assembleia Parlamentar da Comunidade, e tendo terminado o período de reserva imposto por essa condição, creio ser útil partilhar algumas reflexões sobre o processo.

2. O primeiro facto a destacar é que, culminando uma campanha eleitoral e um dia de votação com elevada participação popular e sem incidentes relevantes, todas as forças concorrentes reconhecem os resultados proclamados pelas autoridades eleitorais. Não há, pois, alegações de fraude, apesar de alguns problemas organizativos registados poderem afetar o exercício do direito de voto de alguns cidadãos, o que mostra um elevado grau de compromisso das forças concorrentes com umas eleições necessárias à ordenação pacífica da vida política e institucional.

3. É de sublinhar a capacidade demonstrada pelos agentes políticos que aceitaram salvar o processo eleitoral sanando a posteriori, pelo método do consenso, passos de duvidosa conformidade à Constituição e à lei que tinham sido dados na organização do processo eleitoral (designadamente na constituição de órgãos fulcrais para o processo eleitoral e na organização do recenseamento). Não podemos, de qualquer modo, ignorar entorses graves, a evitar de futuro, como as autoridades governamentais assumirem poderes organizativos que cabem legalmente às autoridades eleitorais ou o alegado envolvimento político na criação de entraves burocráticos à entrada de materiais de propaganda eleitoral de uma certa candidatura.


4. É um sinal positivo que de uma eleição possa sair vencedor um partido de oposição, como foi o caso. Contudo, observando os antecedentes, é evidente a necessidade de uma mais clara consciência da importância do Estado de direito, do respeito estrito pela Constituição e pela lei, pelos procedimentos e pela separação de poderes, até para poder evitar os enormes riscos de descarrilamento da normalidade democrática que de outro modo espreitariam. Como exemplo, basta referir que, à data das eleições legislativas de 4 de junho, a Assembleia Nacional Popular tinha sido dissolvida há mais de um ano e o país estava com um Governo “de iniciativa presidencial” sem qualquer controlo ou fiscalização parlamentar.

5. O povo da Guiné-Bissau vem demonstrando um enorme civismo e responsabilidade. Ouvi mais do que uma vez, em ocasiões eleitorais, pessoas humildes de diferentes lugares dizerem que “o povo sabe como votar, é preciso é que depois eles saibam o que fazer com o nosso voto”. O que esperamos é que o rigoroso respeito pela Constituição e pelas leis sirva de andaime a uma estabilidade democrática onde a vontade expressa pelo povo se concretize em políticas públicas ao serviço da melhoria das condições de vida das pessoas.



Porfírio Silva, 24 de Junho de 2024
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10.5.23

Podemos esperar alguma coisa das próximas eleições na Turquia?

18:00
No próximo dia 14 de maio a Turquia vai a eleições. Erdogan, primeiro-ministro entre 2003 e 2014 e presidente desde então, recandidata-se. Se voltar a vencer, consolidará aquilo que o Instituto V-Dem (para “Variedades de Democracia”) chama uma “autocracia eleitoral”: a Turquia tem eleições multipartidárias, que são relevantes apesar das condicionantes, mas faltam-lhe (ou estão muito enfraquecidos) traços fundamentais de uma verdadeira democracia (como a liberdade de expressão, a liberdade de associação, eleições livres e justas).
A verdade é que a democracia não é só o voto: é, também, um conjunto de direitos, liberdades e garantias e é, igualmente, um conjunto de instituições que organizam as regras da disputa pelo poder e de exercício dos diversos poderes. Ora, na Turquia, o sistema de Erdogan tirou o parlamento do centro da decisão política, com a Constituição modificada para permitir ao presidente governar facilmente por decreto; domesticou o poder judicial, por via de um sistema de nomeações politicamente controladas; amordaçou a comunicação social, com esquemas censórios, com intimidação de jornalistas, com controlo económico; alimenta perseguições à oposição política e aos ativistas que não convêm ao poder, muitas vezes recorrendo à acusação infundada e arbitrária de serem aliados dos terroristas (por exemplo, o presidente da câmara de Istambul está ameaçado de prisão e de perda de direitos políticos); controla o banco central, supostamente independente; usa a família do presidente como núcleo de uma rede de controlo dos poderes.
Além da investida estrutural contra as instituições democráticas, Erdogan não se coíbe de usar os meios do Estado para tentar garantir apoiantes praticamente à boca das urnas. Um exemplo será a mobilização do Anadolu, primeiro porta-aviões construído na Turquia, para um “cruzeiro eleitoral” pela costa na zona do Bósforo e de Istambul, procurando atrair o entusiasmo nacionalista para apoiar o presidente. Outro exemplo, mais clássico, foi o anúncio, poucos dias antes das eleições, de um aumento de todos os funcionários públicos turcos em 45% (quarenta e cinco por centro!) da sua retribuição. 
Então, neste quadro, pergunta-se: valerá a pena depositar alguma esperança nas próximas eleições gerais turcas? O académico Berk Esen, da Universidade de Sabanci, diz que as eleições no seu país são como um jogo de futebol em que uma equipa tem 11 jogadores, a outra tem 8 e o árbitro está do lado da equipa maior – mas a equipa mais pequena, mesmo contra o árbitro, pode ganhar se tiver melhores jogadores e melhor estratégia. Quer dizer: as condições da disputa eleitoral não são justas, nem garantem a igualdade dos competidores, mas existe uma possibilidade real de mudar as coisas nas eleições. Importa sublinhar que o povo turco parece concordar com esta avaliação: nas mais recentes eleições, sejam locais ou gerais, a participação tem sido superior a 80%.
A alternativa viável a Erdogan é a coligação Aliança Nacional, composta por seis partidos, cujo candidato presidencial é Kemal Kilicdaroglu. Não se deve esperar que, no caso de vitória da Aliança Nacional e de Kemal Kilicdaroglu, ocorra rapidamente qualquer mudança fundamental na relação da Turquia com a UE, designadamente em termos geostratégicos, porque a teia traçada por Erdogan não será facilmente reestruturada. É certo que Kemal Kilicdaroglu declarou, em texto publicado no The Economist, que a vitória da sua coligação permitiria restabelecer a orientação da Turquia para o Ocidente. Não creio, no entanto, que isso signifique uma postura radicalmente nova no tabuleiro da guerra e da paz, mas significará que a Turquia se tornará mais democrática e mais aberta – o que, sim, de facto, seria positivo para os democratas e para a Europa. Portugal é mais pequeno e, no entanto, a abertura democrática de 25 de Abril de 1974 teve efeitos positivos no avanço das democracias contra os autoritarismos. É essa possibilidade, num país muito populoso (cerca de 85 milhões de habitantes) e decisivo para o xadrez global do mundo, que justifica que alguns considerem que as eleições gerais na Turquia no próximo dia 14 serão as eleições mais importantes em todo o mundo no corrente ano de 2023.
 
 Porfírio Silva, 10 de maio de 2023
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16.2.23

Como perder uma eleição?

11:24


Li o livro de Luís Paixão Martins, "Como perder uma eleição ". Gostei de ler: tenho uma certa tendência para gostar de livros que me recordam de coisas que pertencem à história que vivi e que, no entanto, se foram apagando nas brumas do tempo.
 
O livro de LPM começa com a pretensão de ser obra de um prático, mas, na verdade, é um livro de teoria da comunicação na política - com casos práticos. Ainda bem. Mas há um episódio em que eu teria apreciado muito que LPM fizesse mais teoria (uma teoria adequada deve, no mínimo, explicar os dados empíricos, embora deva fazer mais: fazer predições acertadas), em vez de se ficar por uma breve descrição.
 
É o episódio de o conselheiro ter levado o líder do PS a verbalizar a hipótese de uma maioria incompleta ser completada com os deputados do PAN. O que eu gostaria de ver teorizado seriam as respostas a perguntas como estas: como é que alguém, que quer evitar qualquer tipo de discussão propriamente dita numa campanha, pode aconselhar o PS sem conhecer a relação complexa que a base eleitoral do PS tem com as propostas do PAN? Como é que se pode levar o líder do PS, que conhece tão bem o seu partido, a fazer um movimento contra tudo aquilo que sabe tão bem?
 
É um livro interessante, porque resume uma cultura política. Provavelmente, a cultura política dominante nos nossos dias. Mas, convenhamos, algo que não é uma inevitabilidade. Apenas uma escolha condicionada. Valeria a pena pensar sobre as razões pelas quais esta cultura política é hoje dominante; e pensar porque é que ela é apresentada como uma inevitabilidade. E pensar se o trabalho dos políticos é "seguir o povo" ou, antes, "abrir outras possibilidades" à cidadania.
 
Porfírio Silva, 16 de Fevereiro de 2023
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16.1.23

Obrigado, escola pública

12:25
 
Alunos
Para registo, deixo aqui o artigo publicado ontem no Público.

***

Para os profissionais dos serviços públicos, especialmente os intensos em contacto humano, os últimos anos têm sido muito duros, também por causa da pandemia. Com a agravante de que as sequelas das crises anteriores, financeiras, não tinham sarado completamente. É o caso dos profissionais da educação. Essa é uma realidade em muitos outros países. Ainda recentemente, o Le Monde trazia em manchete o “mal-estar docente” e lembrava que há vários anos que desce e é insuficiente para as necessidades a adesão aos concursos para a carreira docente.

 

Conformamo-nos? Não! Por isso há sete anos mudámos de ciclo político, também na educação. Em vez de dispensar dezenas de milhares de professores, de desinvestir da sua formação, de apressadas reformas curriculares retrógradas e sem diálogo, de tentar fazer da escola mais um crivo de seleção e discriminação social; em vez de desinvestir no público para gastar no privado, virámos o rumo para uma escola mais inclusiva e com mais meios para atender à diversidade de interesses dos alunos (das artes às profissões até à educação de adultos), com mais professores, mais professores vinculados e menos precários, mais assistentes, mais técnicos especializados, começando a devolver a escola à escola e à comunidade, com mais autonomia e mais flexibilidade que abre novos horizontes de desenvolvimento da profissionalidade docente e melhor resposta ao contexto, descongelando a carreira docente, investindo na formação relevante, …

 

Está tudo feito? Não está. Para continuamos, o ministro da Educação escolheu rever o regime de recrutamento docente, para começar a acabar com a “casa às costas” dos professores. O objetivo é combater a instabilidade e a precariedade. Definir com rigor as necessidades permanentes, escola a escola, para permitir acelerar as vinculações estáveis a quadros de escola. Diminuir a extensão das zonas pedagógicas, para diminuir as distâncias potenciais casa-escola. Sem entregar nenhuma competência nesta matéria às autoridades municipais ou intermunicipais, e sem perda de vínculos adquiridos.

 

Está em curso um processo de revalorização da Administração Pública que, de facto, se tornou necessária para corrigir longos anos de perda no mercado global do emprego público e privado, perda acentuada pelas respostas austeritárias às crises financeiras internacionais. Naturalmente, os professores olham para esse processo não querendo ser mais nem menos do que os outros servidores públicos. É justo. Mas não podemos perder esta oportunidade: o ministro da Educação é um praticante coerente do diálogo com a classe, com as suas associações e sindicatos. Não podemos perder a oportunidade de fazer, agora, um acordo para uma boa revisão do regime de recrutamento. Até para podermos abrir caminho para outros acordos noutras matérias.

 

Todas as profissões mais qualificadas se desvalorizaram relativamente, devido à forte expansão das qualificações. Há situações onde os servidores públicos são expostos a situações inaceitáveis de desrespeito pelas suas pessoas e funções, por parte deste ou aquele utente. Uma coisa é certa: ninguém mais do que este Ministério da Educação é aliado empenhado dos profissionais da educação em sua defesa e valorização. Faltar ao respeito aos professores é tentar a sua infantilização, supor que pedem vénias, quando o que querem é soluções compatíveis para a sua carreira e para a escola pública. Faltar ao respeito aos professores é dizer-lhes, contra toda a evidência que eles conhecem, que nada se fez nos últimos sete anos pela escola pública e pela valorização dos seus profissionais.

 
Porfírio Silva, 16 de Janeiro de 2023
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