
19.6.25
Mini-podcast 2 - Mário Soares, a adesão europeia e os revisionistas

18.6.25
Mário Soares, a adesão europeia e os revisionistas
Mário Soares, a adesão europeia e os revisionistas
A 12 de junho comemorámos 40 anos da assinatura do Tratado
de Adesão de Portugal à (então) CEE. Mas nem tudo foi bonito nesse dia. Com
estupefação, vimos afloramentos de uma tentativa para desvalorizar o papel decisivo
de Mário Soares nesse passo.
Testemunhei ao vivo, na Conferência “No Centenário de Mário
Soares - Orgulhosamente Acompanhados - 40 anos de Portugal na União Europeia”, o
MNE, Paulo Rangel, tentar menorizar o papel de Mário Soares no processo de
adesão, mostrando-se agastado com o relevo de Soares na memória histórica. Dizer
que outros também eram europeístas – é verdade, mas não autoriza deslustrar o
motor político dessa adesão.
Há, na nossa integração europeia, factos que todos conhecemos.
Apenas entrado em plenitude de funções, o I Governo Constitucional avançou para
a Europa e, em poucos meses, preparou e, com apoio do Parlamento, formalizou o
pedido de adesão, apesar dos conselhos receosos dos economistas. Soares colheu
o que semeou, ao assinar o Tratado de Adesão.
Contudo, compreender o papel singular de Mário Soares implicar
saber algo mais.
Em 1976, o programa eleitoral do PS alongava-se sobre a
centralidade da adesão de Portugal à CEE no rumo pretendido para o país. O PS tomava
essa opção como um novo eixo estruturador do posicionamento de Portugal no
mundo.
Por contraste, o programa do PPD, das 5 páginas sobre o
posicionamento de Portugal no mundo, reservava menos de 20 palavras à adesão à
CEE. A parte internacional do programa do PPD tinha 6 parágrafos, com 6 prioridades.
A adesão à CEE não merecia nenhum dos seis parágrafos, não se destacava como
uma das prioridades. A brevíssima referência à adesão à CEE aparecia, como
questão subordinada, enxertada num subparágrafo.
Nesse ano de 1976, enquanto o programa do PS colocava a
integração europeia como estruturante de uma visão de desenvolvimento e de
consolidação da democracia, no programa do PPD a questão da adesão à CEE era diluída
numa miscelânea de temáticas, encravada na questão das relações ibéricas e
misturada com a revisão do Pacto Ibérico.
O percurso político anterior de Mário Soares explica como,
chegado o momento de governar, fazia diferença a sua visão clara e a sua
determinação europeísta. Durante os muitos anos de oposicionista à ditadura, as
lideranças democráticas europeias tornaram-se interlocutores privilegiados de
Mário Soares. Escrevendo na imprensa europeia, publicando fora de portas,
discursando nos congressos e conferências dos socialistas (e dos federalistas),
reunindo com governantes, unia o futuro democrático de Portugal à integração no
concerto das democracias europeias. Como fez, também, discursando no Conselho
da Europa, em 1970.
O primeiro programa doutrinário do PS, de 1973, ainda na
clandestinidade, punha a Europa democrática como horizonte de um Portugal
democratizado – embora criticando a falta de uma “Europa Social”, de uma Europa
dos trabalhadores.
Logo a 3 de dezembro de 1974, o Le Monde destacava a
afirmação de Mário Soares: “O nosso objetivo a longo prazo é a integração na
CEE.”
O melhor do nosso europeísmo floresceu por contraste com o
fechamento cinzento e pesado da ditadura de Salazar e Caetano – e amadureceu na
necessidade de garantir a democracia representativa. Várias personalidades,
antes e depois de Abril, de diferentes ideologias, juntaram a sua voz e a sua
ação a uma visão europeísta do nosso futuro comum. Honra lhes seja feita por
terem enfrentado os isolacionistas, quer os do triste “orgulhosamente sós”,
quer os das visões redutoras e simplistas da soberania nacional. O governo que
assinou a adesão não era monocolor.
Contudo, ninguém teve o desejo e o ensejo de ser tão
decisivo e tão definidor nessa adesão à União Europeia como Mário Soares. A
história diz-nos isso. É, pois, inaceitável a tentativa, pequena e sectária, de
tentar menorizar, ou sequer relativizar, o papel de Mário Soares no processo de
integração europeia.

16.6.25
Portugueses vírgula

15.6.25
Aqui começa o mini-podcast Machina Speculatrix
O número 1, que ora se publica, debruça-se sobre o apontamento "Jim e James", que publiquei há dias, e que se encontra aqui: De Jim a James (no dia que, para alguns, já foi da "raça").

10.6.25
De Jim a James (no dia que, para alguns, já foi da "raça")

28.5.25
Reflexão, todos pedem reflexão. Em que é que o PS tem de refletir?

23.5.25
Carta aberta a José Luís Carneiro

22.5.25
PS, não nos esgotemos em etiquetagem

19.5.25
Renovar o PS em tempos difíceis
4. O foco do PS é o país, não é o país que deve esperar pelo PS. Todas as eleições são momentos de encontro entre os políticos e o país, mas é responsabilidade dos políticos pensarem primeiro no país. Aproximam-se umas eleições autárquicas. As autarquias são o terreno onde se joga muito da vida concreta das pessoas. A razão do sucesso autárquico do PS é a capacidade dos nossos autarcas responderem às pessoas município a município, freguesia a freguesia. Muito do que se joga nos territórios pode ser prosseguido com relativa autonomia da agenda política nacional, razão pela qual o PS pode voltar a focar-se nos trabalhos autárquico, dando-lhe agora a prioridade que nunca devíamos ter descurado. Para que isso se possa fazer, não faz sentido que o PS entre num processo eleitoral interno em paralelo com as autárquicas. O PS é uma instituição, tem órgãos em funcionamento, tem procedimentos – tem, portanto, os meios para ser dirigido, interinamente, deixando para depois das autárquicas a reflexão (que precisa de tempo) e a decisão maturada sobre o rumo a seguir nos próximos anos. Agora precisamos de foco nas autárquicas – sem distrações. Depois precisamos de reflexão, debate, decisão com sentido de futuro – sem pressa e sem concorrência de um ato eleitoral decisivo.
- os órgãos colegiais do partido têm de funcionar, com regularidade, a todos os níveis, servindo substantivamente para estudar e preparar as decisões a tomar e não apenas para ratificar aquilo que o “chefe” (a qualquer nível) já decidiu em “petit comité”;
- as escolhas de
representação democrática (candidatos a autarcas ou a deputados, por exemplo)
têm de ser guiadas para potenciar a capacidade de intervenção em nome de todos,
não podem ser instrumentos de luta interna (não faz sentido escolher um
candidato em vez de outro com a “encomenda” de ganhar assim posição privilegiada
para uma disputa interna numa federação ou numa organização autónoma, não faz
sentido afastar um candidato a presidente de câmara com potencial vencedor por
ele não apoiar este ou aquele numa disputa interna);
- não faz sentido subordinar a representação exterior do partido
a mensagens táticas que não respeitam a permanência e a pluralidade do partido
(como a inédita substituição de todos os eurodeputados numa eleição, em completa
incompreensão das condições de eficácia da delegação no parlamento europeu)
- não faz sentido tentar penalizar camaradas por delito de
opinião;
- não faz sentido afastar autarcas em funções de uma
recandidatura porque “escolheram mal” numa eleição interna (ou recorrendo a
misteriosas “sondagens locais” como cortina de fumo) …
Erradicar o aparelhismo-grupismo tem de vir a par com uma renovação do próprio funcionamento do PS: como é possível não termos um secretário nacional, de primeiro plano, para as questões do trabalho, que dialogue quotidianamente com os sindicalistas socialistas? Ou não termos um forte secretário nacional para as autarquias? Como é possível não termos falado de educação durante toda a campanha eleitoral (e de termos desprezado o trabalho interno anteriormente realizado nessa frente)? Como é possível não falarmos de alterações climáticas numa campanha eleitoral e depois queixarmo-nos de que a juventude se desinteressa de nós? Como é possível não termos nenhum trabalho organizado com os milhares de socialistas envolvidos em dinâmicas associativas por todo o país?
Aparentemente, empobrecemos a nossa tradicional diversidade de pensamento, as nossas raízes em inspirações diversas, e acabámos por nos acomodar a uma espécie de centralismo político que só valoriza as dinâmicas sociais empurradas pelo Estado, desvalorizando as dinâmicas de iniciativa das pessoas e das comunidades (deixando, desnecessariamente, o campo livre aos liberais de direita, quando há espaço na tradição socialista para as dinâmicas de iniciativa de baixo para cima).
Para mudar a política, é preciso mudar o partido. Mas, mudar o partido não passará, de modo nenhum, por desvalorizar o que fizemos antes. Reconhecer os erros, passados e presentes, é necessário. Avaliar o que fizemos e o que deixámos por fazer. Mas isso não é compatível com apontarmos apenas os erros dos outros camaradas, implica reconhecermos também os nossos próprios erros e não desvalorizarmos os erros de alguns só porque pertencem ao “nosso grupo”. E nunca deixarmos por mãos alheias os créditos do que fizemos pelo país, no passado mais antigo e, também, no passado mais recente. Não voltemos a cometer o erro de, por tática interna, menosprezar o muito que este partido deu ao país, em cada um dos nossos governos, em cada uma das nossas lideranças.
6. Só é vencido quem desiste de lutar. Só é vencido quem desiste de votar. Só é vencido quem desiste. Os militantes do PS farão com que a esquerda democrática não seja vencida de forma permanente. Estamos na luta, como sempre estivemos. Mas, cuidado: os que se apressem a avançar para a liderança do PS, por favor, não acreditem, ingenuamente, que basta navegar nas derrotas do Secretário-Geral cessante para ganhar o partido e conseguir renovar o PS. Aos putativos candidatos apelo a que não sejam complacentes consigo mesmos, não se sintam contentinhos com o que temos, porque o que há a fazer é muito profundo. Duro. Lento. Difícil. Mas indispensável. Salvar a democracia exige renovar o partido, na sua essência de movimento popular. E, aí, todos teremos uma palavra a dizer.

17.3.25
Trump e a paz
Não acredito numa palavra de Trump, não acredito que queira
a paz, nem que lhe interesse minimamente o respeito pelo direito internacional.
Quando Trump afirmou, em campanha, que conseguia a paz entre a Ucrânia e a
Rússia em 24 horas, estava, claro, a mentir – o que não se estranha.
No entanto, temos de admitir que Trump demonstrou que era possível agir para empurrar a Ucrânia e a Rússia para uma negociação. Trump é uma marioneta de Putin - compreende-se, eles são, superficialmente parecidos em termos de desrespeito pela democracia. Por isso mesmo, Trump não vai procurar uma paz justa, vai procurar beneficiar – mais precisamente, lucrar – com todo o processo. Até por isso, seria melhor que outros tivessem tomado a iniciativa de levar a Ucrânia e a Rússia para a mesa das negociações.
Então, porque é que Biden não tomou essa iniciativa? Porque
é que a União Europeia não tomou essa iniciativa? Teria sido preferível que
essa necessidade – provocar negociações para a paz – tivesse sido preenchida
por gente mais fiável do que Trump. É incompreensível que tenham ficado à
espera de Trump para que esse passo fosse dado.
Tudo isto tem, na base, um problema: o chamado
"Ocidente", com a derrocada da União Soviética, passou a desprezar as
preocupações de segurança da Rússia. A arrogância "ocidental”, convencida
de que podia "entalar" a Rússia, encostá-la à parede, aproveitando
esse momento de aperto, foi uma atitude míope. O "Ocidente",
literalmente, enganou Gorbatchev, aproveitando a fraqueza do seu país nesse momento, e tirou
tudo o que podia da situação, numa mesquinhez de vistas curtas, desprezando as
garantias que sugeriu ao homem da perestroika.
Qualquer estadista que tivesse feito a escola primária das
relações internacionais sabia que isso não podia durar no longo prazo. A
Rússia, por muitas fraquezas que tenha, é uma potência com um pé na Europa e a
Europa só pode ser segura para todos se todos sentirem que têm garantias de
segurança. Cercar sistematicamente a Rússia, encostar-lhe armas às suas
fronteiras, é irresponsável.
A Rússia é uma ditadura horrível. Mas nunca foi com isso que
o "Ocidente" governamental se preocupou. O "Ocidente" foi
oportunista, foi irresponsável, distraiu-se do ponto básico: só há segurança
para nós se houver segurança para todos. A Rússia desprezou o direito
internacional ao invadir a Ucrânia e o "Ocidente" esteve certo em
colocar-se do lado do invadido. Certo. Mas não chega. Era preciso ter começado
a preparar uma saída razoável para todas as partes. Era preciso ter levado a
sério o futuro, não apenas a crise presente.
A guerra é um limite existencial. A guerra é a suprema
irracionalidade. A guerra é o motor por excelência do sofrimento humano. É
insuportável ouvir falar de "vamos dar a vida por isto e por aquilo"
- sendo que só dizem isso aqueles que nunca irão à guerra ficar estropiados e
morrer. Ter esperado que chegasse Trump para começar a pensar como acabar com a
guerra, foi simplesmente uma irresponsabilidade e uma desumanidade. Não alinho
nos falsos pacifismos ingénuos, não é desarmados e à mercê das armas dos outros
que podemos contribuir para a paz; se não tivermos força nada podemos
determinar de positivo no avanço para a paz. Precisamos, na Europa, dos nossos
próprios meios para nos autodeterminarmos - mas temos de usar da nossa força
para construir uma segurança comum, porque não existe segurança só para um dos
lados.
Parece que quase todos os dirigentes políticos da Europa
esperaram pela chegada de Trump para compreender isso. Desgraçadamente.

15.3.25
Por uma radical defesa das instituições
Há algumas semanas, aquele que chefia o partido de extrema-direita no nosso país, acossado por mais um dos escândalos de grosso calibre que têm minado uma larga fatia do seu grupo parlamentar, recorreu à sua manobra habitual: partir para o insulto para tentar desviar a atenção. Um dirigente do seu partido estava acusado da prática de sexo com menor a troco de dinheiro e o presidente da agremiação, em vez de começar pela sua casa política a “limpar Portugal”, decidiu insultar, repetidamente, dois antigos deputados, antigos ministros, antigos dirigentes socialistas: Paulo Pedroso e Eduardo Ferro Rodrigues, este último ex-Secretário-Geral do PS e recente (2015-2021) Presidente da Assembleia da República. Os insultos foram proferidos nas instalações da Assembleia da República e foram distribuídos entre o próprio hemiciclo, no plenário, e os Passos Perdidos.
O atual Presidente da Assembleia da República (PAR), José Pedro Aguiar-Branco, não se deu por achado. O que estava em causa não era apenas uma expressão política mais forte, nem uma mera deselegância. Era insulto. Era pura difamação. Não era uma opinião política, era mais uma mentira, uma calúnia soez.
Na primeira oportunidade em plenário, o Grupo Parlamentar do PS, pela voz do seu vice-presidente Deputado Pedro Delgado Alves, não apenas denunciou a situação, que qualificou como “mentira” e “difamação de servidores públicos toda a vida, de lutadores pela democracia, construtores da democracia", como solicitou que houvesse explicitamente um “reparo”, um “repúdio” do ataque, em defesa do antigo Presidente do Parlamento.
Apesar dos desenvolvimentos que estão em discussão no que toca ao Código de Conduta dos Deputados, Aguiar-Branco, que não estava a presidir aos trabalhos no momento em que a questão foi suscitada pelo PS, nunca deu qualquer sinal de entender que não podia acomodar-se ao insulto e à difamação de um antigo Presidente do Parlamento.
Perante o ruidoso silêncio de Aguiar-Branco sobre esta matéria, Eduardo Ferro Rodrigues enviou, a 24 de fevereiro passado – soubemos agora – uma carta à segunda figura do Estado. Aí se pode ler:
“Doze dias passaram sobre estas calúnias, muitas das quais proferidas no Parlamento de que Vossa Excelência é Presidente, algumas delas em Plenário e lembradas na Conferência de Líderes que Vossa Excelência dirige.
Foram muito graves institucionalmente as ofensas difamatórias e cobardes proferidas contra mim.
Fui com muito orgulho e honra Presidente do Parlamento, eleito e reeleito em 2015 e 2019. Nunca ficaria em silêncio perante qualquer insinuação ou calúnia feitas nessa AR contra qualquer dos Presidentes que me antecederam – Barbosa de Melo, Almeida Santos, Mota Amaral, Jaime Gama ou Assunção Esteves. Nunca permitiria que os caluniassem ou ofendessem, em nome de qualquer "liberdade de expressão".
Estou seriamente ofendido e indignado. Sinto-me atingido na minha honra pelas palavras de quem me caluniou e também pelo silêncio do Presidente da Assembleia da República.
Espero que atempadamente ainda se pronuncie sobre tudo isto, também em defesa do prestígio da Instituição que tem a responsabilidade de representar.”
Embora tenha lido referências noticiosas, não vi na sua integralidade a resposta de Aguiar-Branco a Ferro Rodrigues, razão pela qual não a vou comentar. O que sei, porque isso todos podemos constatar, é que o atual PAR, Aguiar-Branco, não deu nenhum sinal público de entender que este caso devia mobilizar o seu dever de defesa do Parlamento. Não deu nenhum sinal público de entender a gravidade da calúnia contra um antigo PAR. Parece que tudo continua a caber na liberdade de expressão dos deputados.
Como ontem disse no Parlamento a deputada do PS Isabel Moreira (ver notícia nesta edição), ao vivermos tempos em que, “em nome de uma falsa liberdade de expressão, se permite um palco de calúnia e difamação”, enquanto se apelidam de “fake news” notícias que incomodam, temos aí sinal de estarmos num “momento de degradação do regime”.
Um sinal claro dessa “degradação do regime” é a incapacidade das pessoas que exercem funções da mais alta responsabilidade assumirem o cuidado que lhes é devido pela integridade das instituições. Trata-se da incapacidade para entender a qualidade especial das instituições humanas. Qualquer cidadão com 18 anos pode ser eleito deputado e qualquer deputado pode ser eleito presidente do parlamento, não é preciso pertencer a nenhuma casta de iluminados para exercer essa função; ser presidente do parlamento tão-pouco transforma essa pessoa num ser humano diferente dos outros, não se lhe pede que transcenda a natureza humana, nem que seja um super-herói. Mas a pessoa colocada nessa posição tem de assumir a especificidade da sua função. Exercer o seu papel. Especificamente, a segunda figura do Estado não pode colocar as outras dimensões da sua vida em prejuízo da sua responsabilidade institucional. Tem o dever de ver e ler as situações do ponto de vista da Constituição e da lei, que é o que conforma, neste caso, o seu lugar institucional, e não de qualquer ponto de vista particular.
José Pedro Aguiar-Branco, mais recentemente, colocou outra pedra nesta degradação, ao proferir, numa reunião partidária, teoricamente à porta fechada e na prática audível para todos os jornalistas circunstantes, a consideração, noticiada e não desmentida, de que o Secretário-Geral do PS fez “pior à democracia em seis dias do que André Ventura em seis anos”. Pedro Nuno Santos respondeu com grande sentido de Estado e grande elevação, recusando que tal episódio prejudique as relações institucionais entre ambos, verbalizando até alguma compreensão pelo estado de espírito em que tão desastrado pronunciamento fora proferido. Louvo Pedro Nuno Santos pela elevação, mas isso não nos impede de afirmar, claramente, que um Presidente da Assembleia da República não deixa de o ser por se encontrar numa reunião partidária ou em qualquer outra reunião – e, portanto, não é admissível qualquer intervalo no decoro que deve praticar na sua relação com os deputados. Já não bastava o descuido em condenar que deputados insultem outros deputados, acresce um pronunciamento político desequilibrado, desajustado, injusto, acerca do líder do maior partido da oposição.
Gritar pela liberdade não chega para ser democrata. Não é possível ser democrata sem defender as instituições próprias da democracia. É por isso que, se conquistámos a liberdade a 25 de Abril de 1974, só conquistámos a democracia, como regime, com a Constituição e com as instituições conformadas de acordo com a vontade popular expressa e com as regras legítima e legalmente consagradas. Gritar pela liberdade e manter-se passivo perante os ataques às instituições, ou, mesmo, minar por dentro o próprio funcionamento das instituições, não é um comportamento democrático. Vivemos tempos difíceis, também, porque chegaram às mais altas responsabilidades concidadãos que não têm a clareza destes pontos a guiar a sua ação.
A defesa radical das instituições democráticas – radical, quer dizer, plena e sem tergiversação, sem cedência aos interesses partidários de curto prazo – é tarefa de primeiro plano na defesa da própria democracia. Que não nos cansemos de o defender e de o praticar.
