Nas autárquicas gaulesas a extrema-direita avançou, a direita ganhou e os socialistas perderam (na companhia de alguma da "outra esquerda", mas nem toda).
Não vale a pena olharmos para o lado. Este sinal só é novo para quem tem andado distraído. A França é, entre nós, mais visível do que outros países europeus, mas o desencanto com a chamada esquerda democrática não é de ontem. É que é fácil afirmar que quem tem a culpa da austeridade, da desigualdade, da precariedade, da injustiça - é a direita! Mas é extremamente perigoso, para a democracia, constatar que muitos partidos de esquerda não são capazes de fazer melhor, quando chegam ao poder. E as pessoas não votam na direita e na esquerda para obterem o mesmo tipo de governação: certas políticas, toleradas a governos de direita pelos seus eleitorados, tornam-se explosivas no caso de serem aplicadas por governos de esquerda. Não há que espantar por isso: quando se vota num governo de esquerda, espera-se que apareçam outras abordagens aos problemas, não a repetição do mesmo tipo de receitas. Quando Hollande derrotou Sarkozy, esperava-se (muitos não esperávamos nada de muito grande, mas, enfim, de algum modo, mesmo com muito cepticismo à mistura, por causa da pequenez do homem, esperava-se) algo de novo na gestão da Europa e da França. Nada disso aconteceu verdadeiramente, nem no plano nacional, nem no palco europeu. Parece que os socialistas estão esmagados pela crise, tristonhos com a situação social, mas incapazes de ousar qualquer coisa de diferente para mudar o destino. Ora, as desilusões tornam-se mais explosivas quando são acumuladas. E arriscam tornar-se desilusão com a própria democracia, tornando os povos tolerantes aos que vêm de fora do campo democrático.
Tudo isto deve fazer-nos pensar em Portugal. A eventualidade de uma mudança de maioria, com a entrada do PS no governo, que desse como resultado apenas "mais do mesmo", seria catastrófico. Não apenas para o PS, mas para o regime, já que poderia levar as pessoas a pensar "muda o disco e toca o mesmo". Ou o habitual "são todos iguais", mas levado a sério. E isso poderia pôr em causa a própria sustentação da democracia como forma de nos governarmos. É preciso estarmos bem conscientes de que, se em geral são os governos que perdem as eleições (e não as oposições que as ganham), seria trágico que, neste estado de profundo desconcerto social, a oposição chegasse ao governo apenas por desgaste dos ocupantes de turno e não em nome de uma linha política alternativa bem definida e bem reconhecida pelo eleitorado. Linha política alternativa essa que, aplicada, fosse realmente capaz de mobilizar o país e criar novas forças para fazer o que tem de ser feito.
Tudo isto que digo acima é bem sabido. Claro. O que talvez nem toda a gente tenha presente é algo que torna o tema muito preocupante: há socialistas ou aparentados em muitos governos da Europa e, em geral, é bem difícil notar que diferença lá fazem quando comparados com a direita. Porque hoje o ambiente internacional, os egoísmos nacionais, a globalização financeira, a fraqueza dos Estados, a incapacidade política das instituições da União Europeia, deixam pouca margem de manobra aos governos de cada país. Isso faz com que não seja fácil fazer a diferença. Mas, vencer e não ser capaz de fazer é a diferença é o descrédito: da esquerda e da própria democracia. É isso que está a acontecer em França. É isso que não queremos que aconteça em Portugal. E, francamente, não estou certo de que estejamos livres de que isso nos aconteça por cá. Preocupa-me, em particular, que se pense ser possível continuar com o mesmo tipo de representação política, que criou a ideia (muitas vezes verdadeira) de que os representantes se tornarem, eles próprios, uma classe, distinta dos representados e com os seus próprios interesses e a sua própria lógica. Se isso não mudar, não há esperança democrática possível. Tão simples (tão complicado) quanto isto.