27.6.14

Juncker, por bons motivos.

18:12

O Conselho Europeu indigitou Jean-Claude Juncker para presidente da Comissão Europeia. O nome será apresentado ao Parlamento Europeu, a quem cabe confirmar a solução. No almoço dos líderes terá havido dois votos contra, vindos dos governos mais à direita da União Europeia: Reino Unido e Hungria, David Cameron e Viktor Orban.

Como sabem os que passam por este blogue, não votei em Juncker, ao contrário do que terá feito Marcelo Rebelo de Sousa. Mas defendi que se respeitasse o compromisso eleitoral das grandes famílias políticas europeias que se apresentaram às eleições. Como escrevi no texto Bravo, Tsipras:

Todas as grandes formações políticas candidatas ao Parlamento Europeu apresentaram a figura que, a seu ver, deveria ser presidente daquele órgão [Comissão Europeia] - e todas defenderam que o candidato do partido mais votado devia ser presidente, desde que conseguisse formar maioria. Não vejo outro raciocínio democrático que não seja: temos que deixar os vencedores tentarem cumprir esse compromisso eleitoral. Juncker deve poder tentar formar uma maioria que o leve à presidência. Se isso não acontecesse assim, os partidos que entraram naquele compromisso estariam a desprezar o jogo eleitoral em que entraram livremente.
Eu não apoiei o partido de Juncker nas Europeias. Mas penso que ele deve ser presidente da Comissão se conseguir formar maioria para tal. E mais: espero que consiga formar essa maioria. Se acontecer de outro modo, ganharão os cínicos que viam naquele compromisso uma farsa. E aos eleitores poderá dizer-se: era só conversa, os lugares decisivos não dependem nada do vosso voto, a Europa nunca será democrática.

Os que bradaram que aquele compromisso das famílias políticas era uma farsa, faziam-no argumentando que os governos é que decidiriam, não o Parlamento Europeu. Sempre lembrei que os governos também estavam ligados às mesmas famílias políticas, que os governos não caíam do céu aos trambolhões - e que muitos perceberiam que não podiam mudar de cara quando mudavam de cadeira. Foi o que aconteceu com Merkel, que parece nem morrer de amores por Juncker, mas acabou por perceber que seria péssimo simplesmente deitar para o lixo um compromisso eleitoral. Ainda bem que correu assim.

Não será por falta de legitimidade democrárica que Juncker deixará de cumprir. Esperemos é que não fracasse apesar da legitimidade democrática. Já bastaram dez anos de presidência da Comissão Europeia sem rumo, sem ideias e completamente dependente dos telefonemas para este e para aquela, a mostrar como pode um balão cheio de ar chegar tão longe.

E ainda não está excluído que Barroso continue a ter um lugar ao sol para os lados de Bruxelas...


17.6.14

será Costa um político que espera sentado ?

23:35

Uma das coisas aborrecidas da política é que, por vezes, não podemos deixar passar em claro certos comportamentos que, verdadeiramente, preferíamos ignorar. Mas não ignoramos por uma simples razão: não beneficiar o infractor.

De que falo? De coisas estranhas que estão a acontecer no PS.

Recentemente, alguém - não vou citar nomes, leiam as notícias - atacava António Costa nesta onda: "só se chega à frente agora, porque sente afinal que já estamos próximos do poder". O ponto desse tipo de "argumentos" é substituir o debate político pelo ataque de carácter. Certamente AC não perderá tempo com tais miudezas. Eu, pelo contrário, que gosto pouco das falsificações da história, e não deixo de dar importância a certas miudezas, não me consinto ficar calado nesse assunto. Lembrando, a título ilustrativo, dois ou três episódios, que são públicos, que julgo mostrarem que António Costa, se alguma característica tem é a de gostar de pegar em "bicos de obra" para lhes dar a volta.


O primeiro caso de que me lembrei foi Loures. A candidatura de AC à Câmara de Loures, em 1993. Na verdade, quase ganhou a presidência para o PS; foi por pouco. Mas a batalha que tinha aceitado travar era uma batalha considerada praticamente perdida à partida, porque se achava então virtualmente impossível derrotar o PCP naquele bastião. AC prestou esse serviço, brilhantemente (lembram-se da corrida entre o burro e o Ferrari?): não ganhou dessa vez, mas lançou sementes que vieram, posteriormente, a dar bons frutos. Porque se entregou sem reservas a uma batalha dificílima. Pronto, podem dizer que foi apenas "um serviço ao partido" - mas, havendo por aí quem se julgue único em dedicação, vale a pena lembrar.

Outro caso é Lisboa. Hoje, no que toca à Câmara de Lisboa, há por vezes uma certa tendência para pensar apenas que a posição do PS na capital é confortável: vencer com mais de metade dos votos, como aconteceu na última eleição, é obra. Só que alguns parecem pensar que isso foi oferecido de bandeja. Mas não: a primeira candidatura de AC à presidência de Lisboa aconteceu num ambiente muito incerto, com a área política do PS dilacerada por dissensões graves a nível nacional, com uma espécie de PS-bis a concorrer como independente em Lisboa. E, depois das eleições, AC tem de gerir em minoria uma câmara com gravíssimos problemas, a dívida e não só. Só com fraca memória se pode ignorar o percurso que transformou uma manta de retalhos política numa maioria alargada e plural, que tem dado à cidade uma governação moderna, responsável e progressiva. Sem dúvida, um serviço à cidade.

Acho que estes dois casos seriam suficientes para ilustrar o perfil de um político que não fica à espera que alguma coisa lhe caia no colo. Mas quero ainda dar um outro exemplo, que classifico claramente como um grande serviço ao país.

Hoje, ao contrário do que acontece em outros países europeus, Portugal não sofre de uma profunda divisão em torno da imigração. Apesar das dificuldades, e da óbvia sobrevivência de fenómenos sociais de racismo, Portugal é tido como um país que trata civilizadamente os estrangeiros que acolhe para aqui viverem e trabalharem. O quadro legal é do melhor que há na cena mundial e, socialmente, não há, sequer, lastro para uma extrema-direita racista. Nem, concomitantemente, os partidos "do sistema" têm sido levados a tiradas populistas para aplacar os radicais à custa dos imigrantes. Que isto assim seja - é bom para o nosso país. Ora, nem sempre esteve garantido que isto viesse a ser assim. No início dos anos 1990, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras causou, com um excesso de zelo que não interessa agora apurar de onde vinha, um caso escandaloso como o de Vuvu Grace (uma jovem zairense que chegou ao aeroporto da Portela para visitar o marido com a filha de 6 anos e foram retidas pelo SEF por não terem bilhetes de regresso), António Costa não virou a cara. Como advogado que era, levou o caso a tribunal com uma providência cautelar (bem sucedida). E, como deputado por Lisboa, foi, por esses anos, um dos impulsionadores de uma atenção consistente e persistente à questão da imigração, no tempo em que sob o manto do cavaquismo se navegava em águas turvas (desalojados de Camarate, os dentistas brasileiros, a eliminação do asilo pedido por razões humanitárias). Paulatinamente, mobilizando (com outros, claro) as comunidades imigrantes para a participação política e desenvolvendo um esforço notável (e bem sucedido) para nos poupar a um dos problemas mais delicados noutros recantos da Europa. Com políticas certas a tempo e horas.

Muitos políticos por essa Europa fora têm fraquejado no tema sensível da imigração. Portugal pode agradecer a vários dos seus políticos do Partido Socialista (com destaque para o José Leitão, que foi Alto Comissário para essas questões) ter pacificado e consensualizado essa frente. E António Costa foi um dos que meteram as mãos nessa tarefa, sem medo de ela queimar, como era o risco evidente.

Dito isto, parece-me de uma desfaçatez inominável que se fale de António Costa como se ele tivesse passado a sua vida à espera que o levem ao colo. Como ele, provavelmente, é demasiado decente para andar a lembrar isto aos esquecidos, achei que tinha eu obrigação de falar. Neste caso, é um gosto reavivar a memória dos que precisam. É uma espécie de caridade aos desmemoriados do PS. Espero que aproveitem. E que decidam parar a campanha de calúnias. Porque é tempo de os socialistas se poderem dedicar em exclusivo aos problemas do país. Engrandecerem-se por resolverem democraticamente as suas diferenças. Porque o melhor do PS é a sua pluralidade.



16.6.14

os estatutos são a Constituição do PS.

10:08

A actual legislatura só termina em 2015. Pode dizer-se que a actual formação do parlamento foi eleita para durar ainda mais ou menos um ano. O actual governo tem maioria nesse parlamento, pelo que a legalidade do seu mandato não está em causa.

Contudo, muitos pedem, há muito, ou já pediram, eleições antecipadas. Não porque falte suporte legal ao governo, mas porque quem pede eleições antecipadas considera que esta maioria e este governo se esgotaram politicamente, já não servem o país. Porque quem pede eleições antecipadas faz a avaliação política de que a legalidade do mandato não chega.

Entre os que já pediram eleições antecipadas no país, há bastante tempo, conta-se o actual SG do PS. Concorde-se ou não com essa reivindicação, ela é politicamente legítima, compreensível. Cavaco e Passos pensam os calendários eleitorais, não em termos da necessidade de desbloquear a governação, mas em termos de conveniência própria. Fazem das suas necessidades de sobrevivência o calendário do país. E isso é condenável.

É, assim, politicamente incompreensível que o mesmo António José Seguro que pede eleições antecipadas no país, com argumentos políticos, recuse eleições no PS, com a escusa de que o termo previsto para o seu mandato ainda não chegou. No PS, como no país, esta não é uma questão de legalidade. É uma questão política. É da ordem do interesse superior do país. O que faltará para que isto seja compreendido por quem tem obrigação de pensar nas instituições antes de pensar em si próprio?

Sim, também há os que dizem “os estatutos são a Constituição do PS, ambos são para respeitar”. Claro que sim. Nada obriga Cavaco a dissolver a Assembleia e convocar eleições. Nada obriga Passos a concordar com um refrescamento da situação. Respeitando a Constituição, nada os impede de pensar primeiro na sua própria posição e só depois no país. Mas temos um certo juízo político sobre isso, não temos? E sabemos que, sempre respeitando a Constituição (os estatutos), podiam trilhar politicamente outros caminhos. Aí reside a questão.

15.6.14

O combate no PS é um combate pela democracia.

10:18

O combate no PS é um combate pela democracia em Portugal. Não podemos gritar "ai, que vem aí o populismo!" e depois dar armas e bagagens ao populismo contra o qual se brama.

Quais são, na essência, as armas do populismo? Primeira, propalar falsas soluções fáceis e rápidas para problemas que só têm saídas complexas, demoradas e delicadas. Segunda, apontar para o manobrismo e o tacticismo da política, dados como prova de que os representantes não se interessam pela realidade, mas apenas pela suas vidinhas de políticos.

É por isso que, se continuar a prevalecer no PS a actual tentativa para centrar a batalha na ideia de que um chefe, para ser chefe, é inamovível, em lugar de se discutir o que está em causa no país e a melhor forma de o PS assumir as suas responsabilidades - quem assim procede estará a alimentar a campanha surda do populismo contra a política. E isso seria renegar o essencial da história do PS. O PS pode não ter implantado o socialismo neste jardim à beira-mar, mas foi sempre um esteio da democracia. O PS não pode tornar-se hoje numa acha para a fogueira desse inimigo mudo da democracia que é o populismo vago e difuso que, mesmo quando toma um rosto, anda por aí anónimo nos pequenos e grandes desesperos da vida de todos os dias. Um dirigente partidário que reage aos desafios com a ideia "querem tirar-me o lugar" está a dizer às pessoas: "estou aqui para salvar a minha pele, o meu lugar no mundo é a minha prioridade". E é dessas mensagens passadas pelos políticos que se alimentam os populismos.

Até acredito que AJS queira dar o seu melhor ao país; até posso admitir que, tendo-se esforçado, merecia melhor sorte. E defendo, sem qualquer cinismo, que era preciso encontrar maneira de todos sairem deste combate dignamente: o PS não devia triturar o seu SG, nem este grupo actualmente na direcção, porque a grandeza do PS é a sua pluralidade. Mas é preciso que ele deixe...

Por isto digo que o combate no PS é um combate pela democracia. Pela qualidade da democracia, contra o populismo, contra o sectarismo. Um combate que o PS não pode perder, que a democracia não pode perder. E esse é um ponto prévio a qualquer outra escolha, de pessoas ou de projectos.

14.6.14

ganhar o país na secretaria não é ganhar o país.

11:14

A parte estatutária do processo político actualmente a correr no PS merece uma interrogação: será que António José Seguro passou os três anos de auto-inflingida anulação a magicar umas regras internas que, em vez de se destinarem a tornar o PS mais ágil e mais lúcido a responder às necessidades do país, se destinariam a proteger a direcção do juízo dos próprios militantes do partido?
É que certas disposições estatutárias podem acabar por revelar-se impróprias para fazer face a circunstâncias imprevistas (não há juristas perfeitos), mas isso pode reconhecer-se e corrigir-se, desde que todos estejam focados nas responsabilidades de um grande partido democrático face ao país. Coisa diferente é perceber-se, pelo andar da carruagem, que os estatutos foram imaginados propositadamente para serem uma espécie de fosso dos jacarés entre o mundo e o quartel-general do dignitário em exercício.
É que, quando se pensa nisto a par com a ideia de reduzir o número de deputados (cujo único efeito notável seria tentar eliminar a diversidade parlamentar à esquerda), teme-se que haja uma linha de rumo cuja essência é tentar ganhar qualquer batalha política na secretaria. E esse temor é um temor pela qualidade da democracia.

11.6.14

dedicado a uns livros de poesia que devem ser magníficos, espero que não por andarem sempre desaparecidos em parte incerta, mas não sei porque não consigo chegar a vê-los.

14:41


O TEMPO

O tempo é um filtro suave e espesso
que nunca te diz francamente “não”:
essa seria uma desajeitada confissão dos episódios por vir.
O tempo é um par de guardanapos embrulhando as tuas mãos,
dobrados em cones de pano que guardam cada ramo de dedos
na forma de terminações inúteis, pontiagudas,
como se servissem uma ameaça de sevícias. Como se vissem,
em serem lanças curtas, a cautela do mundo.
Os teus membros continuam intactos,
promessas actuais de agarrarem o pão e a sopa
que nos trouxeram aqui, à Mittleleuropa:
ainda prometem colher o necessário
para matar a fome, mas o pano do tempo,
como uma máquina agarrada às tuas mãos,
envolvendo as tuas mãos como um protector passivo,
faz de ti um espectador.
Se quiseres ainda comer terás de baixar a boca às terrinas, como gamelas,
como um selvagem.
O tempo é um dispositivo que abre os braços para te mostrar
toda a extensão do momento presente
como se ele fosse por natureza um país sem fronteiras,
aberto, plano, transitável, receptivo,
mas depois coa todos os efeitos dos teus gestos
até o mundo se tornar igual
a um universo paralelo onde tivesses simplesmente renunciado.
O tempo é uma manta delicada e densa
que cobre as pessoas estaladiças
para nos proteger de riscarmos o mundo.
No fim dos tempos, fomos todos espectadores.



(ilustração: Michaël Borremans, Time, 2007, lápis e tinta branca sobre papel)

Portugal deve ser o único país onde existe um mercado negro de livros de poesia.


E isso não me parece nada poético.

Porque quando a feira do mundo chega à poesia, a poesia saiu, calada, do mundo.

10.6.14

ainda o desfalecimento.

16:42

I.

Parece que aconteceram hoje coisas politicamente graves.
Por exemplo, uma jornalista da RTP tentou, em directo, lançar as culpas do desfalecimento de CS sobre os manifestantes.
Por exemplo, parece que houve seguranças da PR que mandaram (ou tentaram mandar) fotógrafos apagar as imagens que tinham feito do desfalecimento.
Entretanto, há quem ache que pensar politicamente no assunto é achincalhar o homem que desfaleceu em público, inclusivamente usando imagens dele para o parodiar.
A desculpa da "crítica política" não vale tudo. E não nos deve impedir de pensar.


II.

Parece que ainda há quem ache que relevante foi Salazar ter caído da cadeira.
Não foi.
Relevante foi isso não ter dado ocasião a uma verdadeira transição.
Olhar para a história como uma sucessão de anedotas é o grau mínimo da política.


III.

Respondendo a uma pergunta: sim, eu acho que o humor tem limites. Não defendo que tenha limites legais, mas acho que tem limites. E não somos obrigados a engolir tudo o que se apresente sob a capa do humor. Especificamente, sinto-me tão livre para criticar uma peça de humor como para criticar um político ou um sociólogo ou qualquer outra pessoa que partilha a sua visão do mundo. Ou ainda não perceberam que o humor vive dentro de visões do mundo?

o desfalecimento.

14:54

Discordo de Cavaco Silva praticamente em tudo. Mas acho lamentáveis as paródias que já correm sobre o seu desfalecimento. Repugna-me especialmente o uso desbragado de imagens do momento.

o PSD no confessionário de Teresa Leal Coelho.

14:37

(recorte roubado à Shyznogud)


A fábula do Orçamento que caminhava despreocupadamente pela floresta e foi apanhado pelo Lobo Mau (o Tribunal Constitucional), costumava ser contada embrulhada na seguinte moral: a culpa é dos juízes do Constitucional que agem motivados politicamente. Diga-se: motivados politicamente contra este governo. Como a maior parte das pessoas não sabem que a distribuição de votos no TC desmente completamente essa leitura - porque não se encontra nenhuma correlação estável entre quem indicou qual juíz e a forma como eles votam - , o argumento tendia a captar a atenção de alguns. A maioria de direita fazia de conta que queria juízes que pensassem juridicamente, em vez de pensarem politicamente. Embora estivesse à vista de todos que a mesma direita faz imensa pressão política - mais do que jurídica - para tentar condicionar os juízes. Na nuvem de fumo que se tornou a política nacional, ajudada por aqueles "comentadores" e "jornalistas" que acham uma trabalheira fazerem a sua própria análise dos acontecimentos em lugar de comerem e vomitarem a pastilha mais à mão, esta narrativa sobrevivia.
Teresa Leal Coelho vem dar novas cartas para o jogo. Afinal, a direita queria era juízes que pensassem politicamente - não juridicamente; politicamente, mas com o enviesamento que o seu partido recomenda. Há uma coisa que é "a visão reformista de Portugal", o seu partido acha que é o oráculo na Terra desse deus, eles escolheram gente que serviria esse deus... e, afinal, essa expectativa de que os juízes fariam o possível para servir a tal "visão", gorou-se. Eles queriam juízes políticos e o esquema não resultou.
É importante perceber isto. Porque representa uma viragem na narrativa. Porque pode indiciar que a direita quer mudar a natureza do TC, acabando com essa bizarria de os juízes raciocinarem juridicamente e não partidariamente.

a política anti-políticos.

14:04

Cavaco Silva (não, o tema não é o desfalecimento, não é a primeira vez que ele desfalece em público, isso não tem nada a ver com política, não falo da pessoa privada) e o cavaquismo, se alguma coisa têm como linha duradoura da sua narrativa de sempre, é o discurso anti-política. Cavaco Silva, um dos políticos que mais tempo ocuparam funções da mais alta responsabilidade política em Portugal, andou décadas a tentar vender a sua imagem como sendo ele um não-político. Para essa operação de combate político ser rentável, tinha de vir acompanhada de uma recorrente crítica "aos políticos". Para ele ser melhor que os outros, os outros tinham que ser, genericamente, uns canalhas. Essa operação tem raízes no mais profundo do que ficou do salazarismo: devem mandar os que servem "o bem" (a Pátria, talvez Deus), nunca "os políticos". Quem quer atacar a democracia, se o quer fazer em profundidade, ataca os políticos: porque sem políticos não há democracia (embora fosse desejável que a política fosse mais feita por todos e menos feita por alguns). Esta guerra aos políticos, além de ser um estratagema de propaganda essencialmente anti-democrático, é instrumental noutra direcção fundamental: facilita a tentativa de desqualificar as diferenças programáticas e de diabolizar os interesses diferentes: se eu "interpreto o bem", quem se me opõe é, por definição, um defensor do mal.

Felizmente, poucos políticos têm tentado replicar esta estratégia entre nós.

Felizmente, nunca nenhum dos maiores partidos da esquerda portuguesa tentou a cartada anti-políticos.

Infelizmente, a campanha de António Seguro por uma vitória no PS está a lançar mão da cartada anti-políticos. Como se a política fosse um mundo de porcaria e António Seguro fosse uma ilha de honestidade neste mundo. Infelizmente, essa cartada, sendo radical, serve apenas para justificar o radical apego à cadeira: quer dizer, o uso de todo o tipo de expedientes (designadamente, truques pseudo-legalistas) para evitar um debate político em campo aberto e sem armas escondidas.

A tentação de alguns políticos para se fazerem passar por uma espécie de maravilhas do universo, insubstituíveis e indiscutíveis, ainda não morreu. Infelizmente.

de quem é a RTP ?

11:06

Cavaco Silva discursa no 10 de Junho. Há um grupo de sindicalistas que protestam. CS sente-se mal e só não se estatela porque o seguram, sendo retirado. O chefe dos militares, informando que o PR voltará brevemente, pede respeito por aquela cerimónia militar. Embarcando na narrativa implícita, a repórter da RTP diz que um dos factores que fizeram Cavaco sentir-se mal foi o protesto dos sindicalistas. Inacreditável que haja jornalistas dispostos a fazer estes papéis.

comemorar outra coisa que não a apagada e vil tristeza.

10:24
Alguns (felizmente, poucos) apoiantes de A.J. Seguro para candidato a candidato a PM pelo PS desdobram-se (lá onde as coisas parecem menos públicas, por exemplo no Facebook) em ataques a António Costa enquanto presidente da câmara de Lisboa. Por aquelas coisas que, na prática – a quem faz – podem correr mal, às vezes correm mal e, sendo o caso, têm de ser corrigidas. Por exemplo, o lixo. Os problemas actuais com a recolha do lixo, que decorrem principalmente (e, creio, transitoriamente) de uma reforma administrativa profunda e que foi feita em Lisboa com uma dose de concertação muito superior ao que o governo foi capaz no país. Notamos, assim, em que tipo de acção política estão dispostos a embarcar alguns socialistas – precisamente do lado daqueles que gritam “deslealdade” e “traição” contra vozes que falam mais alto do que o aceno concordante de cabeças frente à majestade do chefe. O tom está dado para uma campanha que, tudo o indica do lado dos que “não se demitem”, será guiada por dois instintos: “quem não está por mim, está contra mim” e “se não é para nós, não será para ninguém” (também conhecido como a estratégia da terra queimada).
Isto tem para o PS custos evidentes – custos que só parece não ver quem, por outro lado, argumenta com o malefício de uma verdadeira discussão política antes de partir para a próxima fase da corrida rumo às próximas eleições legislativas. Mas tem, também, outros custos para o PS, especialmente se o escolhido para candidato a PM fosse AJS: é que todo este criticismo agudo às funções de governação de António Costa evidencia que nem todos podem, como ele, ser escrutinados pelo exercício de funções executivas relevantes para a vida de milhões de portugueses. O que, está à vista, dado o estado do país, é crucial para quem pretenda mobilizar uma vasta maioria de governo, com base política e social alargada e sólida – e não condenar o PS a ser apenas mais uma peça na continuação da “apagada e vil tristeza” a que alguns nos querem resignados e obedientes.

8.6.14

a coisa pública e outras coisas que não têm nada a ver.

13:41

Na actual disputa dentro do PS parece notar-se uma diferença: Seguro apresenta-se como alguém que julga ter o direito a ser primeiro-ministro e não quer escolhos nesse caminho há tantos anos sonhado; Costa apresenta-se como alguém que, apesar das dificuldades, achou que tinha o dever de se disponibilizar como candidato dos socialistas a primeiro-ministro. Faz toda a diferença. A diferença entre uma ética de serviço público e uma auto-estima que não cabe na realidade.


6.6.14

o inconseguimento do PS.

11:19

O PS vai passar quatro meses em regime de governos provisórios: até 28 de Setembro, tem um candidato provisório a primeiro-ministro, um candidato a candidato. Um grande partido português demora mais tempo a resolver uma questão interna do que alguns países (como o Reino Unido) demoram a processar a mudança de legislatura.

E esse regime provisório pode nem acabar a 28 de Setembro. Se a "maioria silenciosa" deste 28 de Setembro ditar um vencedor como candidato do PS a PM que seja outro que não o Secretário-Geral, o partido fica com duas cabeças. Uma solução tipo BE, mas com uma bicefalia de antagonistas. Com a agravante de que o candidato a PM estará cercado pela direcção do partido, que andou meses a trabalhar contra ele e a bater-se pelo então (hipoteticamente) derrotado. Será um partido esquizofrénico a apresentar-se a eleições. Ainda: nessa altura, que condições terá o PS para apresentar ao país a sua proposta de programa de governo? A proposta do PS será aquela que foi sendo elaborada sob direcção do SG ou será a plataforma política com que o candidato a PM se apresentou às primárias?

Quer dizer: depois de 28 de Setembro, o PS poderá ainda precisar de fazer um congresso com plenos poderes. Uma realização com meses de atraso.

Durante todo este tempo, o PS estará à mercê da chantagem da direita com eleições antecipadas. Creio que, de momento, Cavaco Silva terá explicado a Passos Coelho que se deixasse de palermices e tratasse de governar, em fez de tentar forçar eleições enquanto o PS está com as calças na mão. Mesmo assim, Passos só faz o que Cavaco quer quando Cavaco faz o que Passos quer: a coligação de direita ainda pode tentar forçar eleições a tempo de impedir o PS de completar este exercício. Na verdade, já deram antes provas de que a sua sobrevivência está sempre acima dos interesses nacionais (cf. mudança súbita de posição de Passos sobre o PEC IV).

Por tudo isto, continua a ser necessário que o PS faça rapidamente um congresso com plenos poderes. O país está à espera do PS. Mas o país pode cansar-se de tanto esperar.


conselhos seguros.


Se vires o país a arder, vai dar uma volta até ao fim de Setembro.


(imagem de Ed Linfoot)


5.6.14

teoria e prática. (carta ao PS)

14:58

Diz que António Costa vai apresentar esta sexta-feira as linhas programáticas com que quer trabalhar no partido e no país. Acho bem, por todas as razões. Contudo, antes disso, quero esclarecer um ponto para mim importante.

A "tese" de que em política o que conta é o programa é, há bastante tempo, uma tese popular. À sombra dessa tese pode afirmar-se uma magnífica preferência pelas "ideias", "sem estarmos agarrados a pessoalismos".
Não estou sequer a referir-me a uma forma extrema e desonesta desta tese, que a (pequena) história já viu muitas vezes ser usada pelos dirigentes de turno, que tratam de preservar a sua posição acusando de ambiciosos aqueles que se proponham substituí-los no lugar, "por colocarem as questões em termos de pessoas". Claro que há pessoas com ambições desmedidas, pouco apropriadas ao seu valor, mas essa má ambição tanto se pode manifestar assaltando o poder como querendo mantê-lo a todo o custo.
Não estou a referir-me a esse extremo: estou a referir-me à ideia muito espalhada de que, desde que estejamos de acordo no programa, nas ideias, na "teoria", o resto é "simplesmente" aplicar - e nada de essencial vai no aplicar. A prática é guiada pela teoria e, desde que estejamos de acordo na teoria, não haverá problema na prática - pretende essa visão das coisas.

Pois, eu discordo profundamente dessa ideia. No caso de um partido político, é normal que haja uma enorme coincidência de pontos de vista em muitos assuntos relevantes para a orientação do país. As divergências nem sempre podem ser sanadas, mas podem ser resolvidas - ou "adiadas", quando isso seja necessário para travar batalhas importantes para o país. Portanto, a coincidência programática pode nunca ser total - e isso nem sempre é grave -, mas a prática pode ser ainda mais importante do que o programa.
Por várias razões. Porque, chegados ao governo, acontecerão muitas coisas que não estavam precisamente previstas na "teoria", porque os programas não conseguem explicitar todos os valores que estão em causa, porque a interpretação dinâmica do programa pode ser feita de formas muito diferentes por pessoas diferentes. Como ganhamos (ou não ganhamos) confiança em que certas pessoas farão bom uso do programa, chegado o momento de o aplicar? Só olhando para a teoria? Não. Olhando também para "a equipa". Ah, lá está, aí vem a acusação: afinal estás a cair em messianismos, pessoalismos, subjectivismos.

Não. Quando me importa saber quem levará à prática um programa (qual é a equipa, quem é o líder), não estou a depositar confiança num indivíduo (ou indivíduos). No tal "messias" ou num escol. Não é isso que atrai o meu olhar. Quando quero escolher um líder e uma equipa, não apenas um programa, quero escolher uma forma de fazer que seja conhecida, uma postura, uma atitude - e tudo isso tem de ter uma história, um percurso, tem de ter sido provado ao longo do tempo, em circunstâncias concretas, quando as pessoas foram experimentadas pelas tempestades. Quero julgar com base na prática real, em terreno aberto, não apenas com base no "laboratório". A teoria só passa verdadeiramente a prova da vida quando a tentamos levar à prática: e uma prática errada pode ser apenas o coveiro de uma magnífica teoria ou programa.

É por isso que, quando olho para o PS e para o país, aqui e agora, e observo o movimento que António Costa introduziu, digo: sim, quero saber se ele traz alguma clarificação programática, alguma luz que fure a neblina dos subentendidos, alguma ideia mais mobilizadora - mas isso não quer dizer que eu esteja só à espera disso. Isso quer dizer que entendo que o PS e o país precisam, desde logo, de outra prática da política, de outra prática da governação, mais aglutinadora, mais mobilizadora, mais criativa, mais ousada, mais capaz de fazer pontes, de romper tabus, de moldar em lugar de ser moldado. De fazer compromissos largos guiados por uma ideia de futuro e não falsos consensos que unam fraquezas várias numa demissão colectiva. Estou à espera das ideias novas, mas, provavelmente, estou até mais à espera de uma forma de fazer que seja nova.

Precisamos de uma força serena. E isso é uma questão de prática.

Apesar dos muito espalhados preconceitos intelectualistas e hiperracionalistas, creio que, também em política, por vezes o mundo muda-se mais mudando a prática do que mudando a teoria.




4.6.14

O golpe.

19:31
Está em curso uma manobra para provocar eleições antecipadas imediatas, antes de que seja possível qualquer clarificação ou mudança na liderança do PS. Esse é o sentido da grande agitação em torno da decisão de TC. Vários actores estão nessa manobra; falta perceber qual é o alcance dessa aliança secreta.

3.6.14

primárias.

22:29
Uma aclaração que ofereço sem pedido: eu sou a favor das primárias dentro do PS. Não quero é primárias organizadas em estilo vão de escada, à pressa e só para disfarçar um aperto particular. Fazer umas primárias à tola seria matar a ideia por 20 anos. E talvez atropelar o PS.