30.6.15

Passos Coelho, O Impreparado (ou O Esquecido).


O que tem dado algum alívio a países como Portugal tem sido a intervenção do Banco Central Europeu, que acalma os mercados e alivia os juros.

Vale a pena lembrar que Passos Coelho já foi clara e explicitamente contra essa acção do BCE. Por radicalismo ideológico.

Quando, passados uns anos, percebeu que a sua posição era simplesmente uma traição aos interesses nacionais, deitou mão à sua arma do costume: mentir. No habitual modo bailinho: Passos aplaude decisão do BCE de comprar dívida, mas já foi contra. Embora agora diga que nunca foi contra. Mas já foi contra. E agora aplaude. E diz que nunca foi contra. Mas foi.

Ora, lembremos lá alguns aspectos dessas mentirolas.






Mas, afinal, isto tem uma explicação.




28.6.15

Um fracasso europeu.

14:44



Do ponto de vista do interesse nacional, o que se passa na Europa (não, não é a Grécia, é toda a Europa) é preocupante. Se tudo isto acarretar mais dificuldades para as empresas e para as famílias portuguesas, espero que aqueles que trataram a “questão grega” com leviandade e falta de sentido de Estado reconheçam que isso foi de uma irresponsabilidade imperdoável.

Do ponto de vista do projecto de construção europeia, a incerteza é grande – e, para um convicto europeísta, preocupante. Ninguém sabe o que um terremoto pode fazer exactamente, mas, do que sabemos e do que não sabemos hoje, alguns pontos merecem-me, desde já, uma reflexão pessoal.

***

A ruptura das negociações neste sábado é um fracasso de todos os intervenientes.

É, em primeiro lugar, um fracasso da Europa como entidade política democrática. A maioria das lideranças europeias, alinhadas no Partido Popular Europeu (a direita europeia onde cabem o PSD e o CDS) estão antes de mais nada interessadas em demonstrar que um governo de uma família política mais à esquerda do que o “arco da governação” europeu terá de ser, eles não querem que deixe de ser, um governo fracassado. Tal como em Portugal, há quem entenda que a democracia tem donos e só admite à governação os que pertencem a um certo subconjunto dos partidos, mesmo que todos sejam votados pelo povo. Tal como acho isso inadmissível em Portugal, acho isso inadmissível na Europa. As minhas simpatias políticas não vão, à partida, para o Syriza, tal como não vão, em Portugal, para, digamos, o Bloco de Esquerda – mas, indiscutivelmente, se o Bloco de Esquerda ganhasse as eleições em Portugal eu teria de estar contra qualquer tentativa europeia de boicotar um governo do meu país. Tenho de pensar o mesmo em relação à Grécia. Acresce que a Europa, tão tesa com a Grécia, contemporiza muito facilmente com o regime pré-fascista da Hungria (a ponto de o Sr. Juncker, naquela triste ocasião da cimeira de Riga em que distribuiu palmadas e outras palhaçadas pelos líderes europeus, ter chamado ao PM húngaro, em tom de brincadeira, “o ditador” – como se isso fosse coisa com que se brincasse). E essa bonomia com os fascistas aconselharia, apenas por decência, menos rigidez com outras orientações.


Esta ruptura também será, se se confirmar, um fracasso da Europa como corpo institucional, porque abre a porta a um recuo inédito na construção europeia: se a Grécia sair do Euro, é um passo atrás que destrói a imagem do “avanço permanente” (mesmo que por pequenos passos). E, no que toca a recuos, nada como o primeiro – para abrir a possibilidade da série. Quem pense que tudo isto só afecta o Euro, desengane-se: esta é uma crise profunda de todo o projecto de construção europeia, amolgado pelos egoísmos vesgos e pela falta de estatura histórica dos líderes europeus que calharam em (má) sorte a este nosso tempo.
Esta ruptura sinaliza a fraqueza institucional da Europa também por causa do papel que deixaram o FMI desempenhar: o papel de polícia mau, a fazer propostas e exigências negociais incompreensíveis, talvez para cobrir alguns governos europeus que queiram atirar a pedra e esconder a mão. Sobre o que parece ser a irracionalidade do comportamento do FMI, basta ouvir o que diz Manuela Ferreira Leite, insuspeita de esquerdismo, mas sem qualquer necessidade de esconder o que pensa por conveniência. Como resume Nicolau Santos no Expresso (Economia, 27/06/15): “o que leva o Fundo a recusar que o Governo grego opte por um corte significativo nas despesas com a Defesa, sabendo-se precisamente que a Grécia canaliza para esta área o terceiro maior orçamento dos países da UE? Ou a recusar que Atenas aplique uma taxa extraordinária às empresas com mais de meio milhão de lucros anuais? Ou a recusar um importante aumento de impostos sobre quem mais pode, ao contrário do que aceitou em Portugal? Ou a recusar que o Governo helénico taxe o jogo online?!» Tudo boas perguntas, mas a pergunta mais perturbadora ainda é: e os países do Euro, Estados Membros da União Europeia, admitem isto?

Mas esta ruptura é também um fracasso do governo grego.

(Ao dizer isto, estou a assumir que o governo de Tsipras estava de boa-fé a tentar chegar a acordo na Europa – e estou a afastar o cenário segundo o qual tudo isto teria um estratagema para justificar a ruptura. Se assumo correctamente, esta ruptura é também um fracasso do governo grego).

O governo grego recebeu um mandato para encontrar uma alternativa à austeridade. Tinha, portanto, de tentar encontrar esse espaço na Europa. O método que costuma funcionar para encontrar espaço na Europa consiste em tentar encontrar aliados, construir alianças, mobilizar solidariedades. Ora, o actual governo da Grécia apareceu, desde o início, demasiado compenetrado da sua singularidade, demasiado ufano do seu isolamento. Até o brilhante ministro das finanças, Varoufakis, pareceu demasiadas vezes ofuscado com o brilho da sua estrela. Não é nunca bom método na Europa. Alguns representantes da social-democracia europeia tentaram estender a mão à Grécia (enquanto outros, em boa verdade, têm uma acção política que nos envergonha). Até o presidente da Comissão chegou a dar sinais de alguma contemporização. Mas o brilho retórico do académico Varoufakis não chegou para construir uma coligação capaz de criar um espaço de acordo alternativo. Parece, no plano da retórica, ter caído na armadilha de governos provocadores, como o português, que destratou o governo grego com o “conto de crianças”, tendo Passos chegado ao ponto de nem cumprimentar Tsipras na estreia deste no Conselho Europeu.
Na verdade, não creio que as propostas que o governo grego tem apresentado aos seus congéneres europeus sejam propostas radicais. Radicais têm sido, por exemplo, as destemperadas reacções do FMI. Mas, quanto à pura política, o governo grego escolheu caminhos preocupantes. Desde o princípio, desde a formação do governo: o actual governo da Grécia não é exactamente um governo de esquerda, mas sim uma coligação entre uma frente de partidos usualmente designados como extrema-esquerda (o Syriza) e um partido marcadamente de direita, populista e nacionalista, anti-imigração, anti-semita, contra a separação entre o Estado e a Igreja, contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Tsipras podia ter feito outra opção: por exemplo, o partido O Rio, centrista moderado, pró-europeu e anti-austeridade, era considerado um candidato óbvio a parceiro do Syriza para completar a maioria. Mas não foi essa a escolha e a escolha efectivamente feita nunca foi um bom sinal.

Agora, esta ideia do referendo tem contornos estranhos.
Não estou, em princípio, contra a convocação de um referendo. Concordo que uma maioria de representantes possa entender que as consequências de uma decisão são suficientemente estruturantes da vida colectiva para deverem ser decididas por voto directo. Aliás, já anteriormente o governo PASOK de Georgios Papandreou quis (em 2012) fazer um referendo ao plano de resgate proposto pelos parceiros europeus, embora dele tenha desistido pressionado pela Alemanha (e até por alguns aliados) e tendo obtido o apoio da direita parlamentar ao plano de resgate. (Já agora, alguém se lembra de qual foi a posição de Tsipras sobre o referendo que Papandreou propôs?)
Mas este referendo é bizarro. Com os dados que temos neste momento, pode crer-se que o referendo não foi convocado a tempo para ser uma peça da negociação, porque vai acontecer depois do fim do programa de assistência e, portanto, vai plebiscitar qualquer coisa depois do facto consumado. Vão votar uma proposta dos credores que nessa altura já não estará em cima da mesa? Curiosamente, o governo grego parece ter o apoio dos fascistas (Aurora Dourada) para o referendo. Será que, nestas condições, o referendo tem alguma potencialidade para abrir para uma solução? Ou o referendo é apenas a entrada para um beco sem saída? Sim, eu também concordo com o primado da política (em vez da ditadura dos mercados), mas isso exige que os actos políticos tenham algum sentido – e não estou certo do que quererá o governo grego fazer com o resultado do referendo. O referendo não faz grande sentido se for apenas o fim da linha, faria mais sentido se fosse claro quanto a uma opção de futuro.

Agora, pesadas todas as responsabilidades, desenganem-se aqueles que pensam que isto é um fracasso da Grécia. Isto é, acima de tudo, um fracasso da Europa – e, claro, nessa medida, também um fracasso da Grécia.

Não são as pequenas circunstâncias políticas que interessam neste caso. Não é o destino deste ou daquele político ou partido que importa agora. O que importa é saber se a Europa vai ser capaz de reganhar o seu estatuto como espaço democrático de dimensão continental a trabalhar para a prosperidade partilhada dos povos participantes. Se não for capaz de retomar essa ambição de longo prazo e dar-lhe concretização, a Europa como construção política original só pode definhar – em primeiro lugar, porque os povos desacreditarão. Como, aliás, já começam a desacreditar.
Como se vê, não são optimistas estas reflexões. Mas o pessimismo não ilumina o caminho. E o que precisamos é de um caminho, um caminho que recusa o pensamento único. Recusar a tese de que quem está na Europa tem de seguir a “austeridade expansionista”. Recusar, concomitantemente, a tese de que, para fazer uma política alternativa é preciso sair da Europa (ou sair do Euro). Essas duas teses têm algo em comum: aceitam que na Europa só é possível o pensamento único. E isso é inaceitável para um democrata: em democracia tem sempre de haver escolha. E é nessa escolha – que tem de ser realistas, mas tem de ser escolha – que se joga a democracia política, mas também económica e social. Há que trabalhar para não nos vergarmos à ditadura do pensamento único.

(Como não podia deixar de ser, continuo basicamente na mesma linha que estava há três meses, quando disse ao Público o que pensava sobre isto.)

Sobre a Grécia e a Europa.

14:31

Sobre a Grécia e a Europa, continuo a pensar o mesmo que dizia e pensava há três meses. Passo a citar: as perguntas são do Público, as respostas são minhas. (Vou sublinhar, porque parece que há quem não saiba ler: dei esta entrevista há 3 meses.)

***

P - Mas como é que o PS prepara uma alternativa? Os gregos não estão a conseguir.
R - Essa ideia de que a política de austeridade é a única que é possível dentro da União Europeia é uma tese muito curiosa — porque ao mesmo tempo é a tese de uma certa direita que diz que a austeridade é que é boa e não se pode fazer outra coisa; e é a tese de uma certa esquerda que diz que na Europa só conseguimos fazer política de austeridade. Há outras forças que dizem não, não há só austeridade. Na realidade, há duas maneiras de estar na União Europeia que não dão resultado.

P - Uma delas é a do Governo grego?
R - Uma delas é a política da submissão, que é a do actual Governo português e que se resume a que alguém disse o que temos de fazer e nós vamos fazer e tentar ser os bons alunos —o que significa que prescindimos da nossa voz na União Europeia. E depois há a via da proclamação e depois logo se vê, que num certo sentido é aquilo que está a acontecer com a Grécia.

P - Como vê a situação na Grécia?
R - O que aconteceu na Grécia tem um aspecto positivo e outro que merece mais reflexão. Há um povo que expressa a recusa de um tipo de política que estava a ser seguida. É preciso voltar a afirmar que os povos têm direito a fazer escolhas democráticas, dizer: "Nós não queremos este Governo, queremos outro e temos de mudar de política." A ideia de que a política vale a pena, de que o voto pode mudar é um aspecto positivo do que aconteceu na Grécia.

P - E o negativo?
R - Creio que o Governo grego tem vontade de encetar um diálogo produtivo com a Europa. Agora, na verdade, o Governo grego não respeitou um aspecto que é central na política europeia, que é perceber que há vários níveis de negociação e que a propositura tem de ser acompanhada com a negociação. O vosso jornal trouxe uma entrevista com o professor Stuart Holland, que lembrava que o engenheiro Guterres, quando era primeiro-ministro, tinha uma técnica de convencer Kohl, o então chanceler alemão, de como certas posições que Portugal defendia eram perfeitamente compagináveis com os interesses da Alemanha. É quase um mito europeu e aconteceu várias vezes o engenheiro Guterres chegar isolado aos conselhos europeus com toda a gente contra a sua posição e no fim dos conselhos estava toda a gente de acordo com o que ele tinha defendido.

P - Hollande e Renzi são uma social-democracia contaminada pelo neoliberalismo?
R - Creio que os partidos servem os seus povos. Quando perguntamos por que é que a posição dos partidos sociais-democratas do Norte da Europa não é exactamente a que preferiríamos, temos de perguntar: "Por que é que eles têm essa posição?" E muitas vezes isso significa que estão a responder a certos anseios dos seus eleitorados. Isto faz parte da dinâmica das sociedades democráticas. Não podemos achar que o nosso eleitorado tem todas as razões e os outros nenhuma.

(Daqui)

21.6.15

Desafio socialista ao PCP e ao BE: "Façam uma coligação".


No passado dia 19 de Junho, o Diário de Notícias publicou uma entrevista comigo, feita pelo João Pedro Henriques. Deixo aqui para memória.

Foto Nuno Pinto Fernandes







Publicado no Diário de Notícias, 19 de Junho de 2015, p. 14.