27.11.18

O ataque rancoroso de Louçã.

20:27


Segundo o Expresso Diário, parece que Francisco Louçã acusa o governo de um "ataque rancoroso aos professores".
Regressou, pois, em todo o seu esplendor, o estratega da ideia de que a missão histórica do BE é destruir o PS - por isso se justificando, a seus olhos, qualquer calibre de ataque.
Pelos vistos, continua a haver quem tenha da Esquerda Plural a ideia de um "saco de gatos" onde "vale tudo, incluindo arrancar olhos". Infelizmente, e isso, sim, é verdadeiramente lamentável, recorrendo mesmo à deslealdade.

Deslealdade, por que lhe chamo assim? Explico.

Este governo, apoiado pelo PS, tem feito muito pela valorização dos professores e da sua carreira. (Francisco Louçã pode pedir a informação aos deputados do BE na Comissão de Educação, que conhecem bem a matéria). O facto de termos uma discordância importante na questão da recomposição da carreira dos professores é isso mesmo: uma discordância importante - mas não permite esquecer tudo o resto.
É uma discordância importante porque importa a muitos profissionais, que são indispensáveis ao investimento que queremos fazer na escola pública. Porque sem os professores a educação não teria feito em Portugal os progressos que os estudos internacionais reconhecem. Porque os professores merecem mais, sem dúvida. Como muitos outros trabalhadores merecem mais. A discordância está em que nós achamos que não temos condições para, de momento, ir mais longe. Porque prezamos a sustentabilidade das finanças públicas e não queremos correr o risco de deitar a perder tudo o que temos conquistado em apenas três anos. E tudo o que foi conquistado foi-o com grande esforço, com os austeritários sempre à espreita.

A discordância é essa: no PS queremos ser cautelosos, não dizemos que os limites ao défice e à dívida são "imposições de Bruxelas" - porque menos défice e menos dívida parecem-nos garantias de maior independência nacional. Queremos ser prudentes, porque queremos garantir que Portugal não volta a ser o alvo dos ataques dos que detestam a política progressista deste governo. E, contudo, temos feito muito pela carreira dos professores. Vinculámos 7.000 professores contratados em apenas 2 anos, um golpe sem precedentes contra a precariedade docente, acompanhada da melhoria da norma-travão, que é um dispositivo de ataque permanente à precariedade. E fizemos muitos acertos com efeito positivo na condição docente, por exemplo mexendo nos grupos de recrutamento.

Temos, portanto, uma discordância importante. Mas, como faz Louçã, lavrar nessa discordância para acusar o governo de "ataque rancoroso aos professores" - é, simplesmente, uma deslealdade. Se os outros partidos de esquerda tivessem, como o PS, apelado a que os sindicatos não deixassem morrer as negociações, dessem um sinal de aproximação ao governo, talvez se tivesse conseguido mais. Nós insistimos sempre na via negocial; outros, pelo contrário, convenceram os sindicatos de que podiam forçar a mão ao governo e obter tudo o que queriam, nas suas próprias condições, sem negociarem nada. Sem se moverem um milímetro. Essas forças tentam instrumentalizar os professores para fins puramente políticos. Precisamente os fins políticos que Francisco Louçã prossegue quando acusa o governo de um "ataque rancoroso aos professores". Vejo nisso outra coisa: um ataque rancoroso de Francisco Louçã aos socialistas. Pelos vistos há quem, desse lado, queira dar força aos que, no PS, sempre foram contra esta Esquerda Plural, pela qual não desisto de lutar.

Porfírio Silva, 27 de Novembro de 2018
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11.11.18

Os dias da Esquerda Plural.

15:46

Parece-me perfeitamente legítimo que o BE queira crescer, queira diferenciar-se programaticamente, queira ir para o governo. E que faça tudo isso em preparação das próximas eleições.
O que já não me parece normal é que o BE esqueça que passou estes anos de maioria da esquerda plural a tentar arrecadar para si tudo o que de bom foi feito por este governo e este parlamento, e ao mesmo tempo a tentar assacar ao PS tudo aquilo que falta fazer ou que não era tão bom como os nossos desejos.
A Esquerda Plural só é possível se formos capazes de preservar as nossas diferenças e, ao mesmo tempo, ir encontrando caminhos comuns para fazer avançar o país e a vida concreta das pessoas. Para isso não cabe a pretensão de alguns a serem "a verdadeira esquerda" e todos os outros serem pura ilusão e engano. O BE sempre tratou o PS com essa arrogância - a mesma arrogância que, é certo, também existe aqui e ali no PS.
Devemos estar disponíveis para o debate - e a luta - política no seio da Esquerda Plural, porque só daí pode vir a força real. Da discussão nasce a luz, como diz o povo. Mas é inaceitável a ideia de que tudo o que foi possível nestes anos foi conseguido contra o PS - como pretendem certos discursos na Convenção do BE.
Como socialista, estou disposto ao debate. Sempre estive, como defensor que sou desta solução há décadas. Mas esse debate implica aprender alguma coisa com a realidade. Por exemplo, quando o BE continua a criticar o governo do PS por conciliar os compromissos europeus com os compromissos internos, devemos perguntar-nos se os portugueses teriam ganho mais com o estilo confrontacional do Syriza de Varoufakis ou se foi preferível ser duro quando foi necessário (assim travámos as sanções de Bruxelas) e construtor quando possível. Julgo que os portugueses têm uma resposta clara a essa questão.
Em suma: respeito a diversidade da Esquerda Plural (que é a minha esquerda), respeito a diferença dos outros partidos da maioria - mas não creio que sirva essa Esquerda Plural que se faça do PS o grande adversário.


Porfírio Silva, 11 de Novembro de 2018
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5.11.18

Coisas que valem "zero".

13:47


Foi pela mão de J. Nascimento Rodrigues que cheguei a este perfil de Paulo Guedes, que deverá ser o futuro superministro de Bolsonaro para uma série de áreas do domínio económico e financeiro. E também foi pela pena desse distinto jornalista que fui alertado para a seguinte informação, constante da peça: Guedes serviu o Chile de Pinochet na universidade, visivelmente despreocupado com o facto de a universidade ser dirigida por um general e, ao mesmo tempo, despreocupado com a sangrenta ditadura que aquele generalato impunha ao seu país. E Guedes “explica-se” assim: “Eu sabia zero do regime político. Eu sabia que tinha uma ditadura, mas para mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual.”

Os “intelectuais” que tomam como irrelevante o mundo concreto em que vivem, que tomam como irrelevantes as condições concretas das pessoas e das sociedades que, teoricamente, são objecto dos seus estudos (os economistas não são teólogos, pois não?), são perigosos para as nossas vidas pessoais e para as nossas comunidades. Em termos epistemológicos, isto já foi muito discutido: o desprezo pelo realismo, típico dos seguidores de Milton Friedman, transforma-se facilmente num desprezo pelas pessoas reais. Mas, em geral, os membros desta escola evitam dizer as coisas tão cruamente como Guedes o faz, mesmo estando já com os dois pés na política activa. Para ele, a ditadura não constava dos seus modelos económicos e, portanto, ela era irrelevante para as suas contas. Quer dizer: apesar de ele dizer que sabia “zero” do regime político, a ditadura valia, na sua equação, menos que zero. E as suas vítimas, o mesmo.

Há, contudo, nesta história, mais pontos a considerar, que encontramos continuando a ler o perfil. Primeiro, quase meramente anedótico, Guedes deixou o Chile de Pinochet “quando encontrou agentes da polícia secreta vasculhando o apartamento onde morava”. Caramba, afinal a realidade pode entrar pela porta dentro mesmo de um intelectual distraído!

Há mais, contudo. De volta ao Brasil, parece que nem todos os recantos universitários acolheram de braços abertos o “rapaz de Chicago” que se sentia bem no Chile de Pinochet até o Chile de Pinochet lhe entrar em casa. Guedes queixa-se: “Percebi que havia uma mancha terrível sobre mim. Aí eu comecei a ver que a política é uma ferramenta suja nas mãos dos menos aptos.” Ah, como são limpas as mãos destes “intelectuais” que sabem “zero” das ditaduras que servem – ou, mais geralmente, como são limpas as mãos destes intelectuais cujos modelos teóricos não se incomodam com a realidade. Sujas são as mãos dos outros, sujas são as mãos dos que não gostam dos que servem ditadores e ditaduras – pregam eles.

Importa sublinhar isto: a prática de não se importar com as mais ferozes ditaduras tem figuras concretas relevantes. Um exemplo bem definido é Margaret Thatcher, amiga e apoiante de Pinochet – primeira-ministra britânica que é, por sua vez, muito admirada por muitos dos radicais de direita que pululam entre nós. Sabemos, se dermos atenção aos exemplos, que esse vírus anti-democrático toma, por vezes, a forma de uma violenta hipocrisia: anti-democráticos são os outros, para quem essas coisas contam.

Cuidem-se. Quero dizer: cuidemo-nos.



Porfírio Silva, 5 de Novembro de 2018
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