30.8.21

Partido.

22:50
 
 


Deixo aqui registo da minha intervenção no 23º Congresso Nacional do PS, que teve lugar nos dias 28 e 29 de Agosto de 2021, em Portimão. A intervenção foi proferida na noite do dia 28.
 
*** 
 
Camaradas, permitam-me que cumprimente todos na pessoa do nosso presidente, Carlos César, e uma saudação especial aos camaradas da rede de socialistas na educação, com quem temos vindo a trabalhar nestes anos.

 

Camaradas, ninguém pense que este é um momento fácil para o PS. Este é mesmo um dos momentos mais difíceis da história do nosso partido, porque nos cabe a responsabilidade de vencer uma tormenta sem precedentes nas nossas vidas, uma pandemia que combatemos no meio da maior incerteza, equilibrando saúde, economia e liberdade, sem esquecer nenhuma dessas partes, enquanto outros, em exercícios de pequena política, tentam aproveitar a pandemia para desestabilizar a governação. Daqui lhes dizemos: não conseguiram e não conseguirão. Vamos vencer a pandemia, concretizar a recuperação e retomar a convergência com a Europa, que nas últimas décadas praticamente só aconteceu com governos socialistas. 

 

Estamos preparados para vencer a crise, porque não nos enganámos de rumo, porque não foi preciso vir a pandemia para agirmos nas prioridades do combate às desigualdades, pela transição climática e pela transição digital socialmente justas, pelo reforço dos serviços públicos.

 

O PS não se engana nas prioridades, porque a nossa prioridade é a vida concreta das pessoas, e, também, porque somos um partido democrático, no espaço público e no funcionamento interno. 

 

Nestes tempos de ameaças à democracia a nível global, a extrema-direita e os populismos agressivos estão ao ataque contra os partidos, porque sabem que os partidos democráticos são o povo organizado a trabalhar pelo bem comum. Não há, em lado nenhum, democracia sem partidos. É por isso que, hoje mais do que nunca, é nosso dever valorizar o nosso partido como partido democrático e plural.

 

Os órgãos colegiais do nosso partido, a todos os níveis, do nível local ao nível nacional, que alguns por vezes atacam em nome da ilusão da democracia direta, têm de funcionar com assiduidade e é aí que se constrói, passo a passo, a opinião coletiva do partido. É que nós nunca fomos da linha do centralismo, o partido do centralismo dito democrático nunca foi e nunca será o PS.

 

Para cumprirmos as exigentes tarefas que o país espera de nós, precisamos da força da democraticidade e pluralidade internas. Sejamos claros: os governos passam, as maiorias mudam, a composição do grupo parlamentar vai variando, mas o partido continua. O partido é o verdadeiro instrumento da participação do povo socialista nas escolhas políticas. A militância é indispensável ao sucesso da nossa ação governativa.

 

Como partido, não precisamos que nos ensinem o que é a proximidade à sociedade. Os nossos autarcas são o exemplo vivo da nossa prática de proximidade, no concreto de cada território. No trabalho dos nossos autarcas está vivo o nosso enraizamento no país real – e é também por isso que vamos voltar a ter uma grande vitória no próximo dia 26 de Setembro. 

 

Mas temos de aprofundar essa proximidade também noutras frentes. Por exemplo, no mundo do associativismo, da economia social, do cooperativismo, dos movimentos cívicos pelos direitos humanos, no mundo da educação – sem esquecer o mundo do trabalho, os nossos camaradas com militância sindical, porque não podemos esquecer que o socialismo democrático, a social-democracia e o trabalhismo, embora se organizem hoje como partidos interclassistas, nasceram nos movimentos dos trabalhadores. E temos de saber honrar esse património, temos de ter orgulho nesse património.

 

E no mundo sindical também se trabalha pela democracia no país, por exemplo, no caso dos trabalhadores socialistas da UGT, por uma concertação social moderna e progressista. E também se trabalha pela democracia no seio do próprio movimento sindical – e quero aqui deixar uma palavra especificamente aos nossos camaradas da Corrente Sindical Socialista da CGTP, que sabem bem o que é lutar para que o movimento sindical seja democrático, não seja monolítico e não seja controlado por nenhum partido.

 

Camaradas, termino com uma pergunta simples: por que é que este camarada vem, a esta hora da noite, com tantos temas importantes, falar do partido? É muito simples, camaradas. É que é o PS da proximidade, é o PS democrático e plural, é o PS da unidade que nunca foi unicidade, é o PS ao mesmo tempo capaz da boa governação e bem enraizado nas lutas sociais, é esse PS que será capaz, uma vez mais, de responder ao país, vencer a crise e ganhar o futuro.

 

E, portanto, é nossa responsabilidade fazer com que valha a pena dizer e praticar: viva o PS!

 

 
Porfírio Silva, 30 de Agosto de 2021
 
Print Friendly and PDF

16.8.21

Ken Loach e o resto

A expulsão do realizador Ken Loach do Labour é um assunto que deve merecer reflexão aos socialistas. É uma expulsão que se segue a um lote grande de expulsões recentes, que se dirigiram a apoiantes de Corbyn. É uma situação que merece reflexão, embora essa reflexão não se possa ficar pela pura solidariedade com o expulso mediático. (Loach é o realizador, por exemplo, de I, Daniel Blake, um filme importante para perceber a insensibilidade neoliberal que atingiu os serviços públicos, e nem só por culpa dos conservadores.)
 
No Labour existe, tradicionalmente, um sector, que se auto-entende como esquerda do partido, que age com organização própria (ao estilo tendências organizadas), em parte com organização paralela (ou mesmo exterior) às estruturas normais do partido. Não tenho acompanhado nos últimos anos essas organizações, mas elas representaram em certos momentos no Labour a ponta de lança do entrismo de inspiração em certas correntes do trotskismo - sendo que eu entendo o entrismo (um grupo de pessoas entrar num partido especificamente com o objectivo deliberado para o tomar por dentro, sem assumir perante o colectivo que estão lá, em grupo, para isso) como uma deslealdade organizada. Creio que um partido democrático tem o direito de se defender do entrismo, ou seja, de se defender de um "clube secreto" que age com segundas intenções sem se mostrar lealmente ao colectivo. Provavelmente, uma parte do que se está a passar tem a ver com isso. (Loach militou antes em partidos normalmente considerados radicais à esquerda do Labour, mas voltou e acompanhou o projecto de Corbyn.)
 
No entanto, sem pretender ser juiz em causa alheia (não conheço suficientemente a situação para uma pronúncia explícita sobre o caso concreto), preocupa-me o que isto significa sobre o estado da esquerda socialista democrática. O PS português também já teve casos de entrismo e acabou mesmo por expulsar um pequeno grupo de militantes, já lá vão uns largos anos. Mas, no geral, temos uma situação bastante equilibrada: não são permitidas tendências organizadas, mas há uma larguíssima liberdade de expressão de divergências e alternativas. Na verdade, o partido português mais plural é o PS: e ainda bem, apesar de alguns, de quando em vez, abrirem a boca para dizer que este ou aquele militante está cá a mais. Em balanço, o PS não é, de modo nenhum, um partido monolítico, não restringe a expressão de opiniões divergentes (nem interna, nem externamente) e tem sabido fazer da pluralidade uma força, em vez de uma fraqueza, mas parte do princípio que as estruturas partidárias são o local apropriado para contribuir para a formação do pensamento desse colectivo. 
 
O ponto que quero aqui sublinhar vai, porém, um pouco além da circunstância. A história da esquerda europeia (para restringir aqui o campo) tem sido uma história de confrontação. O combate entre socialistas (de diversas tendências) e comunistas (de diversas tendências) foi, em muitos países e durante muito tempo, a face mais visível de uma tendência acentuada para o sectarismo, que o próprio Marx já praticava como método político e que foi central na configuração da revolução bolchevique. Esse sectarismo, contudo, não é completamente simétrico: a prática de governos comunistas reprimirem partidos e militantes socialistas é muitíssimo mais frequente do que o oposto. De qualquer modo, dada a pressão exercida hoje por todo o mundo por parte de forças retrógradas contra os que se batem por maior igualdade e pelos direitos humanos, julgo que é tempo de encontrar métodos de trabalho político à esquerda que atirem o sectarismo para o caixote do lixo da história. Se esse for o caminho, não é só a relação entre diversos partidos à esquerda que tem de ser repensada, a favor de uma maior capacidade de nos focarmos em resultados progressistas, mais do que em retóricas vanguardistas. É também a própria capacidade de cada partido de esquerda para melhorar os seus métodos de trabalho (interno e externo) para dar mais produtividade à diversidade – única maneira de se ser verdadeiramente um partido do povo: do povo na sua diversidade.
 
Nesta perspectiva, sem querer fazer de Ken Loach, nem das várias tendências “esquerdistas” do Labour, uns santinhos, o que se pode dizer é que é triste ver hoje um partido da grande família da social-democracia, do socialismo democrático e do trabalhismo a passar por mais um processo onde o divisionismo e as expulsões se tornaram um método político a que se recorre em vez do debate profícuo. Para não chegar aí, um partido democrático tem de evitar a todo o custo a diabolização de umas correntes pelas outras e tem de investir mais na construção do maior denominador comum em cada momento político concreto. Valorizar os partidos e a sua vida democrática é, cada vez mais, decisivo para a saúde da própria democracia e para podermos continuar a obter resultados no progresso social, nas liberdades e nos direitos humanos. 
 
 
Porfírio Silva, 16 de Agosto de 2021
Print Friendly and PDF