22.6.18

Demos uma oportunidade à escola pública.

12:29


(Para registo, fica aqui o meu artigo de hoje no jornal "i", que pode ser encontrado clicando aqui.)

DEMOS UMA OPORTUNIDADE À ESCOLA PÚBLICA

A escola pública é, para a maioria das crianças e jovens, a melhor hipótese de romper o círculo vicioso da desigualdade. Ora, não há escola pública sem os seus profissionais. Sendo os professores especialmente responsáveis pelos progressos da educação em Portugal, reconhecidos internacionalmente, não é coerente depreciá-los com críticas simplistas e infundadas. Devemos, pois, continuar a valorizar o trabalho e a carreira docente, uma prioridade para o governo e a maioria parlamentar - porque, obviamente, há ainda muito a fazer.

Aí se enquadra, entre outras medidas, o descongelamento das carreiras, compromisso cumprido a tempo e horas. E os profissionais já hoje sentem, e sentirão ano após ano, a consequente valorização remuneratória. Já a recomposição da carreira surge como uma nova questão, não contemplada em nenhum programa ou acordo, mas que o governo aceitou negociar. À proposta do governo, os sindicatos reagiram com rigidez, nunca formalizando qualquer contraproposta. Por isso renovo o apelo para que os sindicatos deem um sinal concreto de que não querem deixar morrer esta negociação. Porque os professores e a escola pública merecem esse esforço de aproximação.

A declaração de compromisso entre governo e sindicatos (18/11/17) identifica claramente três variáveis para negociação: tempo, modo e calendário da recuperação. A questão do tempo a recuperar ficou assinalada como diferença a dirimir, como então disse o dirigente que falou publicamente pelos sindicatos: “Se tivesse ficado escrito 9 anos, 4 meses e 2 dias, este documento não se chamaria Declaração de Compromisso e chamar-se-ia, provavelmente, Acordo.” Portanto, não é verdade que o governo esteja a falhar um compromisso. “9A-4M-2D” é um slogan respeitável, mas não é verdade que seja um compromisso do governo. Essa acusação infundada é desleal, desde logo para com os professores, quanto aos termos do compromisso de novembro.

É verdade que o OE2018 dita que esta questão deve ser negociada “tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”. Isso significa que a maioria parlamentar reconheceu que, em matéria que implica mobilização adicional de recursos, a vontade política, que existe, não basta. Responder sempre, a toda e qualquer questão que implica mais despesa, com a linha “para os bancos houve dinheiro” é falhar esse compromisso que se assume ao votar o OE: cuidar da sustentabilidade.

Respeitar profissionais, alunos e famílias é escolher a negociação ativa em vez do confronto, para juntos continuarmos o muito que há a fazer: por uma escola pública que efetive a escolaridade obrigatória para todos e cada um na sua diversidade, pondo o elevador social a funcionar, numa educação integral de cidadãos ativos e realizados. Sabemos que essa é a missão que os professores sabem e querem cumprir. Por isso, continuemos a valorizar o seu trabalho e a sua carreira, passo a passo, mas de forma segura e no rumo certo.


Porfírio Silva, 22 de Junho de 2018
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21.6.18

Deputados do PS escrevem carta aberta ao Embaixador dos E.U.A.

00:09


Exmo. Senhor Embaixador Jorge E. Glass

Foram divulgadas imagens de crianças atrás de grades em centros de detenção junto à fronteira dos Estados Unidos da América com o México, separadas das suas famílias que foram acusadas de atravessar ilegalmente a fronteira americana. Estas imagens são chocantes e são um atentado flagrante contra os Direitos Humanos.
Desde que o Procurador Geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, anunciou uma política de “tolerância zero” contra a imigração ilegal, o Departamento de Segurança Nacional separou das suas famílias, cerca de 2000 crianças.
Foi ainda veiculado pela comunicação social que as crianças estão dentro de gaiolas metálicas com folhas de papel térmico a servir de cobertores e que a iluminação do espaço está acesa 24h por dia. O Governo Federal deu ordens aos agentes que trabalham nestes locais para não terem contacto físico com as crianças mesmo que para oferecer conforto.
Esta política da Administração Norte-americana, para além de provocar um resultado desumano e de violência extrema contra estas crianças e as suas famílias, viola, com clareza, os princípios fundamentais do direito internacional humanitário.
Os Estados Unidos da América não ratificaram a Convenção dos Direitos das Crianças, mas esse facto não deve impedir um Estado de Direito Democrático de cumprir os direitos das crianças. Como afirmou o porta-voz do Alto-Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas “Separar crianças das suas famílias equivale a uma interferência ilegal na vida familiar e constitui uma grave violação dos direitos da criança”.
As Nações Unidas instaram os Estados Unidos a acabar com a separação à força das crianças dos seus pais e evocaram a Associação de Pediatras norte-americana, que considera que tal prática pode causar danos irreparáveis com consequências para toda a vida dos menores.
Esta situação vivida na fronteira dos Estados Unidos com o México levanta ainda questões relativas à legislação nacional e internacional de proteção das pessoas refugiadas, que tem como objetivo proteger e dar segurança àqueles e àquelas que fogem dos seus países por motivos relacionados com conflitos armados, perseguição política e graves violações dos Direitos Humanos.
Perante esta realidade cruel e inaceitável, juntamos a nossa voz à onda de indignação mundial, apelando aos Estados Unidos da América que ponha fim imediato a esta política de separação das crianças das suas famílias, no cumprimento estrito da lei nacional e internacional e no respeito pelos Direitos Humanos.

Palácio de São Bento, 20 de junho de 2018

Os/As Deputados/as do Partido Socialista
Catarina Marcelino
Paulo Pisco
Pedro Bacelar de Vasconcelos
Constança Urbano de Sousa
Margarida Marques
Pedro Delgado Alves
Elza Pais
Alexandre Quintanilha
Isabel Santos
José Miguel Medeiros
Carla Miranda Sousa
Porfírio Silva
Wanda Guimarães
Jorge Lacão
Edite Estrela
Ivan Gonçalves
Maria Antónia Almeida Santos
Paulo Trigo Pereira
Isabel Moreira
Tiago Barbosa Ribeiro
Carla Tavares
Helena Roseta
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15.6.18

Demos uma oportunidade à escola pública!

11:22



Esta manhã, a Assembleia da República realizou um debate de actualidade sobre questões educativas. Deixo aqui registo da minha intervenção, para que possa ser devidamente escrutinada e não se recorra ao "método" de distorcer as palavras dos outros para esconder a falta de argumentos próprios de quem assim procede.
(Como de costume em textos oficiais, uso o novo acordo ortográfico no texto abaixo.)


***

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

A escola não é um edifício, nem um conjunto de edifícios e equipamentos. Quando falamos de escola, falamos de pessoas, de alunos, de professores, de pais.
A escola é, decerto, para os alunos, mas não há escola pública sem os seus profissionais: professores, técnicos, assistentes. Os professores podem não ser todos excelentes, como nós também não somos todos excelentes. Mas, em geral, educadores e professores fazem um trabalho notável. Mesmo em condições difíceis, formaram a geração mais qualificada de sempre. Mesmo uma classe envelhecida, mas muito qualificada, e que justamente deve ser remunerada por essa qualificação, continua a procurar respostas educativas para crianças e jovens que têm na escola pública a melhor hipótese de escapar ao fado das desigualdades. Se nos orgulhamos dos bons resultados no PISA, devemos também orgulhar-nos dos nossos professores.

É por isto que se compreende muito bem que este Ministro da Educação, este governo e esta maioria tenham a valorização dos professores como uma das suas principais prioridades. Foi o fim da BCE, o fim da PACC, o fim da requalificação. É o combate à precariedade: 7000 novas vinculações de professores em apenas 2 anos, e a melhoria sucessiva da norma-travão; melhores condições de reposicionamento aquando da vinculação; aumento das vagas para vinculações aos quadros de escola; criação do Grupo de Recrutamento de Língua Gestual Portuguesa e regularização da situação dos docentes dos Grupos de Música e Dança; a inclusão dos intervalos do 1º Ciclo na componente letiva; a harmonização dos calendários do pré-escolar e do 1º Ciclo; a revalorização da monodocência; o regresso do investimento na formação contínua. E o descongelamento das carreiras.

Muitas destas medidas tiveram a oposição da direita. Percebe-se bem por quê. Durante o mandato do governo anterior, a escola pública perdeu dezenas de milhares de professores. E não se desculpem com a troika, porque a direita escolheu investir nos contratos de associação e, ao mesmo tempo, sacrificar a escola pública. Por isso PSD e CDS cortaram na educação 1200 milhões de euros além do que estava previsto no Memorando de Entendimento. Pelo contrário, nesta legislatura já conseguimos aumentar cerca de 7000 professores na escola pública. Assim se vê quem valoriza os professores.

Um senhor deputado do PSD falava há tempos de um descongelamento sem despesa. Percebemos a ideia, mas não é essa a nossa via. Este Governo, e bem, fez um descongelamento com despesa. Esse era o nosso compromisso, cumprido a tempo e horas. E os profissionais estão já a sentir, e vão continuar a sentir, ano após ano, a consequente valorização remuneratória.

Surgiu, entretanto, uma questão nova: a recomposição da carreira. Perante uma questão nova, que não estava prevista no programa de governo, em nenhum acordo, a atitude do governo foi: vamos negociar. Em matérias que implicam a mobilização de recursos adicionais, onde há vontade política mas não basta a vontade política, é preciso negociar.

O governo propôs a recuperação de quase três anos de tempo de serviço. Alguém pode dizer que isto é nada? Seriamente, ninguém poderá desvalorizar a relevância dessa proposta. Ora, desde que essa proposta foi feita, não houve da parte dos sindicatos nenhum passo de aproximação.

Os sindicatos têm um papel importante numa democracia a sério. Por isso renovamos aqui o nosso apelo: esperamos que as negociações sejam retomadas e para isso é necessário que os sindicatos deem um sinal.

O governo já disse que a sua proposta está em cima da mesa. Mas só há negociação se todas as partes derem passos. Por isso apelamos aos sindicatos para que deem um sinal claro de que não querem deixar morrer as negociações, para que se possa continuar a construir um acordo justo e sustentável.

Demos uma oportunidade à escola pública! Não deixemos afunilar o debate. Continuemos a trabalhar para que todos os alunos aprendam mais e melhor e para que todos os profissionais da educação tenham melhores condições para fazer o seu trabalho.

Não conseguiremos fazer nada disto em ambiente de crispação ou confronto. E esta verdade simples convoca-nos a todos para um caminho a percorrer.


Porfírio Silva, 15 de Junho de 2018
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2.6.18

Somos todos espanhóis

16:16



Mariano Rajoy saiu, agora é a vez de Pedro Sánchez. Caiu o governo do Partido Popular, vem aí o governo do Partido Socialista Operário Espanhol.

Nada na conjuntura espanhola se compara com a situação portuguesa, a não ser a dificuldade inicial. Cabe lembrar que, por cá, António Costa, pelo PS, sempre disse, após as eleições de 2015, que não deixaria o país sem governo: quer dizer, só votaria uma moção de censura ao segundo executivo de Passos e Portas se tivesse um governo alternativo viável. A censura ao XX governo foi votada, também pelo PS, depois de assinadas as “posições conjuntas” do PS com o PCP, o BE e o PEV. Pedro Sánchez parte para esta aventura sem essa carta de rumo, tendo chegado a presidente do governo graças à rejeição de uma direita atolada em corrupção e em intolerância espanholista – mas vai governar com todos os gatos dentro do mesmo saco (da maioria anti-Rajoy), tendo a seu favor apenas a assimetria que resulta de ter a iniciativa governamental e a precedência na fixação do calendário eleitoral. Se tudo pode parecer impossível para o PSOE, cabe lembrar que também tudo parecia impossível para a Esquerda Plural em Portugal, onde a designação “Geringonça” começou por ser a marca da arrogância da direita e acabou por ser o rótulo da incapacidade de Passos para trazer o anunciado diabo. Mas os paralelos entre as duas situações são escassos.

Neste sentido, o título deste apontamento – “somos todos espanhóis” – pode não fazer grande sentido. Mas faz, porque o que se passa em Espanha importa a todos, na Europa – pelo menos à esquerda – a um nível mais profundo.

A questão passa, incidentalmente, por uma interrogação específica que tem intrigado muitos nestes últimos dias: porque é que Mariano Rajoy não se demitiu a tempo de travar a moção de censura? Terá sido pelo especial respeito que o ex-presidente do governo reserva à instituição parlamentar, querendo que o seu futuro se decidisse naquela votação dos deputados? Não me parece; nada no perfil autoritário do ainda líder do PP aponta para essa interpretação. Creio que a resposta está na diferença entre adversários e inimigos políticos. Para Mariano Rajoy, como tantas vezes é o caso, os adversários estão nas outras famílias políticas, nomeadamente nos socialistas, apesar do desprezo com que sempre tratou Pedro Sánchez. O inimigo é Rivera e o Ciudadanos, porque disputa o mesmo eleitorado dos populares. Ora, Mariano Rajoy não queria dar a Rivera a sua principal reivindicação de momento: a convocação imediata de eleições gerais, que seriam provavelmente ganhas pelo Ciudadanos. Seria difícil a Mariano Rajoy, sem extinguir o laço que unia o PP a Rivera (pelo apoio ao governo), desatender essa reivindicação do seu rival-aliado. O governo dos socialistas vai precisar de tempo e, por isso, não convocará imediatamente eleições, permitindo eventualmente que passe o momento de Rivera. Terá sido orientado por estas considerações que Mariano Rajoy desatendeu Rivera e preferiu a derrota às mãos de Pedro Sánchez: os votos que possam ira para os socialistas, conjunturalmente, podem um dia voltar ao PP, mais facilmente do que voltariam se fossem bem acolhidos no Ciudadanos, uma casa mais cómoda para o eleitorado de direita.

Então, em que é que "somos todos espanhóis"? O que é que tudo isto tem a ver connosco? Duas coisas.

Primeiro, a orientação política é um factor de escolha eleitoral, mas a avaliação comportamental pode destruir uma ligação antiga se surgir alternativa que não implique romper com a família. A direita espanhola mais conservadora prefere o PP, mas pode viver com o Ciudadanos depois de se ter tornado insuportável a insensibilidade do PP à corrupção que parece profunda nas suas hostes. Está a tornar-se evidente que, em muitos países, há hoje mais espaço para criar partidos novos, ou para cindir partidos antigos – e isso pode abrir o espaço da concorrência, fora ou dentro dos parâmetros habituais. O respeito pelos compromissos eleitorais – “palavra dada, palavra honrada” – pode, e deve, tornar-se um aspecto de avaliação comportamental crucial, à qual temos de estar cada vez mais atentos se não queremos tornar-nos dispensáveis. Uma noção de “ética política”, num sentido extralegal, será, decerto, outro elemento dessa avaliação, que não poderá refugiar-se em formalismos.

Segundo, não basta pensar em termos de programas e seu conteúdo, é preciso pensar em termos de forças em presença e da capacidade de as mobilizar para as batalhas relevantes. A fragmentação crescente das forças políticas em vários países, designadamente à esquerda, tende a condenar as pretensões hegemónicas dos antigos “grandes partidos” tradicionais e a exigir uma capacidade de diálogo renovada. No caso de Espanha, para compreender o que isto quer dizer, basta fazer o mapa dos 180 votos que derrubaram Mariano Rajoy e elevaram Pedro Sánchez. Mas podemos ir, por exemplo, contar os fragmentos daquilo que era ainda há pouco o Partido Socialista Francês, para ter outra imagem viva de como se tornou importante ser capaz de um comportamento político mais agregador, mais produtor de compromissos, mais capaz de negociar para encontrar grandes convergências no essencial. Sob pena de irrelevância.

Estes desafios andam há muito tempo a mudar a face da política ocidental. Chegaram, com fragor, a Espanha. Mas pode ser que, mesmo assim, ainda não tenham sido completamente compreendidos por cá.



Porfírio Silva, 2 de Junho de 2018
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