As mulheres de Delos
O lago sagrado no centro de Delos está seco.
Secou a água, secaram os deuses, secaram os homens.
Vista a vida nas casas das famílias desta cidade,
é tarde para perguntar às mulheres de Delos
por quê.
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A explicação do espiritual
O azul move-se em colunas entre o mar e o céu,
espesso como o som das cigarras o dia inteiro.
Linguagens humanas várias movem-se
leves na mesma conversa;
as mulheres nadam ao largo,
os homens ficaram a falar em casa,
os do mar cuidam dos de terra,
os de terra cuidam dos do mar,
os conhecidos dos desconhecidos
e sobre todos paira a cítara que Hara lida no terraço.
O sol amassa todo o arquipélago num único ponto do tempo,
fora do presente.
Isto e nada mais são todos os deuses do Olimpo.
A explicação do espiritual é tão simples como uma salada grega:
a diversidade é o logos da unidade.
Imagem: Ísis em Delos.
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a invenção de Apolo
Delos, exausto no teu seio, pergunto-te: como pôde
uma ilha inteira sem uma sombra
tornar-se uma casa de deuses?
Respondes-me, muito mais claramente que o oráculo,
em prosa,
porque a poesia é para as questões inúteis e obscuras,
que um santuário é um campo de batalha
onde os deuses nos venceram,
uma ilha purificada pela proibição de nascer e de morrer.
Um santuário é uma promessa de deserto.
Delos, exausto no teu ventre, pergunto-te: como pôde
uma ilha cercada de ausências,
sem plantas nem carneiros, sem mel nem vinho,
como pôde a aridez em símbolo produzir deuses?
E Delos responde-me que Apolo
fez o centro do mundo, um nada em pedra,
com a matéria do lugar geométrico do melhor cruzamento das rotas.
E Apolo levanta-se do túmulo para protestar
que culpa pode um pobre deus ter
de terem feito do seu templo
o primeiro banco da Antiguidade.
Imagem: lugar do templo de Apolo em Delos
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a ilusão panóptica
No mar da madrugada contornamos a temida Babel.
Todos nadando no mesmo azul
dizemos sem palavras a mesma porção do mundo.
À míngua de equívocos fenece a torre erecta
mas Babel espera apenas que regressemos
a terra; só na nossa ilusão ela está quieta.
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As Cíclades
duzentas e vinte ilhas mal contadas fizeram de ti,
Delos, casa de Apolo, o centro do universo.
nunca tão claramente o comércio dos homens
foi a agricultura da semente dos deuses.
agora, vazia a ágora,
o deserto do presente é de novo e finalmente eterno.
[imagem: Delos, casa de Cleópatra]
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a pedra suspensa
A pedra que pesa suspensa sobre a cabeça de Tântalo
não se explica a si mesma.
Os palácios do Príncipe, marcados
como espaços vazios nos atlas da cidade,
não testemunham deuses irados nem catástrofes naturais:
o silêncio na parte comum do mundo é uma invenção
humana
incompreensível.
***
(Textos e imagens © Porfírio Silva)
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