Acredito que, mesmo antes das eleições, o Syriza já mudou os dados da situação na Europa.
Mesmo que não ganhe, o Syriza já mostrou que a vontade política de traduzir as aspirações das pessoas pode fazer caminho. Se temos democracias representativas, os partidos têm de dar às pessoas a oportunidade de verem representadas as suas posições. Se os partidos não são capazes de fazer isso, a democracia representativa é uma farsa.
Os partidos têm de juntar o que as pessoas querem com a inteligência da estratégia para lá chegar. Os partidos não são meros repositórios das reivindicações, são o colectivo onde as pessoas se podem juntar para dar inteligência de futuro ao que queremos "já" mas precisa de tempo para ser construído. Os sistemas políticos democráticos onde os partidos não percebem isto... acabam mal.
O Syriza poderá, também, dar uma nova oportunidade à Europa se, vencendo as eleições, souber mostrar a todos que há sempre alternativas - mesmo na complexa situação que vivemos, mesmo nesta Europa desigual onde o sonho de um continente dos povos está sempre a ser adiado (ou, pior, atacado).
Que o Syriza ouse querer governar (e não apenas protestar), que o Syriza ouse querer governar na Europa (em vez de sugerir a porta falsamente fácil da saída do euro ou da própria UE), que o Syriza esteja a fazer o trabalho de negociar e aceitar a União Europeia como espaço onde tem de ser possível negociar, atendendo quer à vontade dos povos quer aos constrangimentos da realidade - é uma lição. Que espero seja compreendida por todos os que se reclamam da família do Syriza.
Note-se que eu não pertenço à família política do Syriza. Os meus "camaradas" na Grécia não perceberam que os partidos não subsistem se deixaram de representar a realidade da vida das pessoas que fizeram esses partidos. Os partidos não subsistem se deixarem de representar. Isso também é uma lição para mim. E para os meus.
Entretanto, noto um pormenor. Muitos estão desejosos de que o Syriza tenha maioria absoluta. Compreendo o anseio. Mesmo havendo pequenos partidos de esquerda moderada que podem fazer maioria com o Syriza, muitos por cá verbalizam o seu anseio por uma maioria absoluta para o Syriza. Entre esses, alguns (ou muitos?) que por cá estão sempre desconfiados das maiorias absolutas, que dizem ser um risco de excessos. Até nisto a Grécia e o Syriza podem dar uma grande contribuição: ajudar mais e mais pessoas a perceber que para governar não basta ter programa, é preciso também ter condições institucionais e políticas para o fazer. Quando se começa a pensar em termos de fazer, e já não apenas em termos de propor, o raciocínio muda. Para melhor: ganha aderência acrescida à realidade.
Bem vistas as coisas, a Grécia volta a ensinar muita coisa à Europa em assuntos de democracia.E ainda nem fecharam as urnas.