(Foto de Victot Hugo Ponte no sítio do TNDMII)
Ontem fomos ao Teatro Nacional D. Maria II ver "Coriolano", de William Shakespeare, peça escrita nos primeiros anos do século XVII e que agora é apresentada como uma reflexão pertinente sobre as nossas crises actuais. É dito que as escadas onde tudo se passa nesta encenação são como as escadas do Palácio de S. Bento, onde funciona o nosso parlamento. Ainda bem que disseram, porque não se nota: mas anota-se a intenção.
Um texto do programa, depois de citar uma frase da peça - "A fome é grande, o povo está revoltado" -, diz que Coriolano é o "protagonista antipático que a genialidade de Shakespeare torna simpático a nossos olhos". Duvido que Shakespeare tenha querido tornar Coriolano simpático ou antipático aos nossos olhos: acredito mais que tenha querido baralhar os dados para nos obrigar a pensar, em vez de nos quedarmos sentados nos preconceitos habituais. De qualquer modo, a tentativa de dar um aspecto "subversivo" a este espectáculo neste momento, parece-me uma leitura claramente desajustada: se esta peça, em vez de ser entendida como uma reflexão sobre os perigos que corremos, fosse entendida como um programa, ou como um desafio, seria uma peça anti-democrática. Se há ideia central em "Coriolano" é a ideia de que a representação do povo na assembleia é pura demagogia e manipulação, acompanhada da ideia de que o povo é fraco e deita tudo a perder quando não se deixa conduzir pelas classes mais astutas que sabem como as coisas se fazem. Mesmo que o texto de partida seja mais complexo, a encenação reforça este elemento anti-democrático: ridiculariza a populaça e os seus representantes. Daí que, francamente, estranhe que o espectáculo esteja a ser entendido como uma espécie de oportuna reflexão sobre a nossa crise. Quer dizer: o espectáculo pode até ser uma reflexão sobre a nossa crise, mas, nesse caso, será mais um aviso contra os perigos de deixar o povo falar do que um apelo a uma melhor participação do povo. E, isso, se é sobre as nossas crises actuais, seria uma reflexão atirando bastante ao lado do alvo.
Quanto ao resto: gostei das interpretações que dão vida às personagens que se destacam individualmente e gostei do movimento geral, que não se perde em rodriguinhos e trata apenas do essencial, sem distracções inúteis.