Quando as televisões começaram a espalhar a notícia
da morte de Santo António de Lisboa,
abrindo o rio de respostas electrónicas enredadas
que embrulham sempre estes novelos colectivos,
e chegaram primos, afilhados e toda a espécie de parentes
vindos de cada canto da terra, do mar e do ar,
de planetas longínquos, santos de outras religiões,
que são planetas ainda mais longínquos mesmo quando
dentro das pessoas humildes se encontram,
praticantes da meditação em variados tons,
um descendente de Fernão Mendes Pinto, um mongol dos antigos,
um mestre de uma ordem militar de um século anacrónico
(estranho que tantos tenham notado que Dom Paio Peres Correia
ficava, por poucos anos, mal neste filme,
os mesmos que bebiam piamente todo o cálice de absurdo
naquele momento, naquela gente, naquela conversa
como se o tempo fosse achatado),
e entrou um peixe dizendo que vinha a recado
do Padre António Vieira, por via de seu testamento,
e que, sendo peixe miúdo, trazia delegação
também dos grandes e dos que mais devoram,
como se o sermão tivesse convertido alguém,
e estávamos neste clímax de raridades metafísicas,
num ponto bacanal de tristezas sortidas,
pensavam os poucos cépticos, ou cínicos, que sejam,
quando entrou sisudamente
na cidade uma delegação:
do Reino de Pádua mandavam dizer
que os conventos de São Vicente de Fora, em Lisboa,
e de Santa Cruz, em Coimbra, estavam muito para trás
na história pessoal do santo, muito atrasados
até face à pregação contra os albigenses,
a sua coroa de glória mais espinhosa,
quanto mais quando comparados com a primavera
do teólogo, do místico, do asceta e do notável orador e taumaturgo
que verdadeiramente Lisboa não sabia quem era
se saber de alguém não é agarrá-lo pelos fundilhos
do pequeno quadrado de terra que compreendemos
e vemos com os nossos pobres olhos cansados de tanta dor e miséria.
Que são os olhos que olham sempre primeiro
para os pés do seu próprio dono.