5.5.11

o pintam tem as costas largas

Estou cheio de trabalho e, para tentar perceber as reacções ao que se tem passado desde o anúncio de um acordo de princípio entre a troika e o governo, não tenho podido mais do que dar umas espreitadelas a alguns blogues e alguns sítios de jornais. É hilariante a quantidade de triplos saltos mortais que a direita anda a fazer para tentar disfarçar a dor - mas isso agora não interessa. (A esquerda da esquerda, essa, emigrou. Há-de agora reentrar em cena: para dizer mal dos actores e da peça a que fugiu, por cobardia política: por não sentir o dever de representar, em todas as circunstâncias necessárias, os que nela votaram.)
O que acho extraordinário é que alguns se espantem por o governo, apesar de ter querido evitar a "ajuda externa", ter conseguido, chegado a esse ponto, negociar um acordo onde alguns dos sustos mais anunciados na imprensa tremendista simplesmente não se fizeram acontecer. Dizem eles algo assim: afinal o FMI não é tão mau como o pintam. O "pintam" tem as costas largas. Oh, deuses da estepe, expliquem lá a esses senhores para que serve a política. A política não é um filme que já está filmado desde o princípio do mundo. A política é a arte e o saber de agir nas circunstâncias concretas, nas que realmente existem, tanto as favoráveis como as adversas, em vista do possível e não do ideal.
Quer dizer: o empurrão que a esquerda da esquerda e a direita, juntas, deram ao governo, tinha um objectivo: tornar as coisas tão más, ainda com Sócrates em gestão e a dar a cara pelo país, que as pessoas votassem com a fúria e levassem os empurradores (ou rasteiradores, na versão Capucho) para S. Bento. Esperavam, para que o plano desse certo, que Sócrates amuasse e se rendesse à inevitabilidade do programa de coligação PSD-FMI (o que Passos um dia sonhou mas lhe falta coragem para assumir). Não foi nada disso que o governo fez: o governo foi à luta e procurou as melhoras saídas que a situação permitia. Enquanto outros primavam pela ausência, mesmo assim causando talvez menos estragos do que aqueles que passaram o tempo a tentar convencer a troika que os governantes deste país eram uns piratas que tinham os cadáveres da coisa pública encondidos em armários.
Será fácil o que aí vem? Não creio. Mas talvez agora mais alguns dirigentes políticos portugueses estejam a meditar no valor da determinação. O plano, sendo melhor - em tudo - do que o da Grécia ou o da Irlanda, é o resultado da luta política: o governo de Portugal esteve sempre do lado certo no debate europeu, disposto ao rigor mas reclamando sempre a necessidade de uma acção conjunta europeia sólida e estratégica. Aqueles que dizem que isto (a "ajuda") teria sido melhor se tivesse vindo mais cedo, esquecem duas coisas. Esquecem que o esperado efeito recessivo destas medidas teria começado mais cedo se mais cedo tivéssemos ido por esse caminho. Esquecem que a relativa "bondade" deste plano, quando comparado com os da Grécia e da Irlanda, foi possível depois de todos terem percebido os erros dos planos impostos a esses países. O país ganhou com a persistência de Sócrates em resistir - e é provável que tivesse ganho ainda mais se uma crise perfeitamente instrumental para os desejos imediatos da oposição não tivesse vindo dizer ao mundo que os indígenas do extremo ocidental da península europeia estavam loucos varridos.
Contudo, como vamos vendo pouco a pouco, a marca ideológica dos que pensam mais como o PSD do que como o PS, que afinal mandam na Europa, está impressa no plano que aí vem. O traço mais evidente dessa inspiração são privatizações várias, e feitas à pressa, que agora se anunciam. Quer dizer: o Estado vai vender sob pressão, em muitos casos vai vender o que é mais saboroso e vai ficar com o que dá prejuízo, vai vender actividades cujo controlo é estratégico para o país, vai empobrecer-se para ganhar algum dinheiro no imediato. Isso não são boas notícias. Mas são as notícias que quiseram provocar os que falam à sombra das costas largas do "pintam". Porque "o FMI não é tão mau como o pintam".