21.5.11

nem só com photoshop se reescreve a história


Passos Coelho é um cândido. Tem uma impressionante capacidade para viver em dois mundos ao mesmo tempo. Pode ouvir ler um excerto do programa eleitoral do seu partido e continuar a falar como se esse programa não existisse, como se tal citação fosse uma invenção, como se proferisse um "não liguem, o programa não interessa, acreditem em mim". E tem também uma enorme capacidade para reescrever a história do seu próprio posicionamento político em matérias essenciais. Um exemplo.
Passos Coelho desde há algum tempo que trata de tentar passar a ideia, quanto ao pedido de ajuda externa, de ter com muita clarividência antevisto que ele deveria ter acontecido mais cedo, porque isso teria sido mais benéfico para o país. Segundo esta tese de PPC, a teimosia do governo do PS é que impediu que tivéssemos mais prontamente dado esse passo salutar. Ora, na verdade, ainda em Janeiro deste ano, Passos Coelho associava um eventual pedido de ajuda externa a uma necessária crise política. Em entrevista ao DN e à TSF, Passos Coelho dizia que se o FMI entrasse em Portugal teria de haver eleições e um novo governo.
É verdade que a entrada do FMI e a crise política estiveram ligadas: foi a crise política liderada pelo PSD que destruiu, em poucos dias, a resistência tenaz à voragem dos mercados e tornou inevitável, no imediato, o pedido de ajuda. Mas não era essa a ligação proclamada por Passos Coelho em Janeiro: nessa altura, Passos Coelho escrevinhava a factura a apresentar: "O eventual recurso ao FMI não pode deixar de ter consequências políticas". Especificamente, dizia que o recurso ao FMI, representando um fracasso do governo, implicava um novo governo e que isso só seria possível com eleições.
Quer dizer: PPC empurrava o Governo contra a parede, dizendo que se chamasse o FMI teria de se ir embora; mas agora quer fazer-nos crer que andou candidamente a aconselhar que seria bom para todos chamar o FMI mais cedo do que tarde. Até se compreendia que tivesse proposto um procedimento à irlandesa: chamamos o FMI, negociamos e fazemos o acordo, depois vamos para eleições. Não foi nada disso o que fez, contudo. Primeiro, identificou a vinda do FMI como causa de queda do governo; depois, como isso não aconteceu, fez cair o governo e, então aí, abriu definitivamente as portas ao FMI. E agora anda a reescrever a história, como se ainda em Janeiro não tivesse dito "se chamarem o FMI serão despedidos".
Mas, claro, isto foi em Janeiro: uma eternidade para um homem que consegue mudar de opinião em menos de 24 horas.