5.9.25

É preciso uma comissão para os 50 anos do 25 de novembro?


Não sou fã da designação desta rubrica - Duelo - , mas trata-se de um espaço tradicional de opiniões contraditórias no Expresso. Na edição de hoje, na habitual página 2, opino quanto ao expediente de criar uma comissão para comemorar o 25 de novembro. Deixo aqui, para registo, o texto.


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Entre o derrube da ditadura e a institucionalização da democracia, a liberdade andou à procura dos seus caminhos e essa procura teve percalços: 28 de setembro de 1974, 11 de março e 25 de novembro de 1975. Comemorar o 25 de abril é comemorar o resultado: a democracia constitucional vivida em paz. É sarar feridas entre democratas. Pelo contrário, insistir nos passos em falso, nas divisões, é salgar as feridas por despudor político.


No 25 de novembro houve duas classes de perdedores. Os que perderam, porque se achavam os donos da legitimidade revolucionária e queriam sobrepor a legitimidade revolucionária à legitimidade democrática, aferida pelo voto popular em eleições livres. Esses perderam, porque no 25 de novembro prevaleceu a continuidade do processo de construção constitucional e foi afastado o cenário de o rumo político do país poder ser imposto por correntes minoritárias apoiadas em sectores militares. Também perderam, por outro lado, aqueles que queriam aproveitar a oportunidade para mutilar o pluralismo político-partidário e voltar a atirar para a clandestinidade uma parte da esquerda portuguesa: os que quiseram ilegalizar o PCP (ou, talvez: começar por ilegalizar o PCP).


Os únicos que saíram vencedores do 25 de novembro foram aqueles que permaneceram fiéis à ideia de que a democracia representativa é para todos. Foi o caso do PS, sob a liderança de Mário Soares, entre os civis. Foi o caso de Melo Antunes e os seus colegas do Grupo dos Nove, entre os militares. Aí não temos, pois, lições a receber de ninguém.


O país não merece ficar pendente da guerrilha dos que tentam relativizar a importância histórica singular do 25 de Abril. O 25 de novembro é um momento do processo aberto a 25 de abril de 1974 e é nesse quadro que o devemos lembrar e sobre ele refletir. Como, sobre isto, dizia o General Ramalho Eanes há alguns anos: “Os momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se apenas para refletir sobre eles.”


Mário Soares entregou o bastão de marechal a Spínola e apoiou a amnistia a Otelo, duas personagens envolvidas com promotores de atividades terroristas. E explicou que, compreendendo a legítima discordância das vítimas, “não podemos viver 20 anos a pensar sempre no passado; temos de olhar para a frente e dar passos no sentido da reconciliação nacional”. Fechar feridas. Tudo o contrário de criar comissões para confortar politicamente quem se sente incomodado com o 25 de Abril e quer produzir, artificialmente, alternativas à sua comemoração, para a diminuir.


Porfírio Silva

(Deputado do PS)



Porfírio Silva, 5 de setembro de 2025
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