Não sou fã da designação desta rubrica - Duelo - , mas trata-se de um espaço tradicional de opiniões contraditórias no Expresso. Na edição de hoje, na habitual página 2, opino quanto ao expediente de criar uma comissão para comemorar o 25 de novembro. Deixo aqui, para registo, o texto.
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Entre o derrube da ditadura e a institucionalização da
democracia, a liberdade andou à procura dos seus caminhos e essa procura teve
percalços: 28 de setembro de 1974, 11 de março e 25 de novembro de 1975. Comemorar
o 25 de abril é comemorar o resultado: a democracia constitucional vivida em
paz. É sarar feridas entre democratas. Pelo contrário, insistir nos passos em
falso, nas divisões, é salgar as feridas por despudor político.
No 25 de novembro houve duas classes de perdedores. Os que
perderam, porque se achavam os donos da legitimidade revolucionária e queriam
sobrepor a legitimidade revolucionária à legitimidade democrática, aferida pelo
voto popular em eleições livres. Esses perderam, porque no 25 de novembro
prevaleceu a continuidade do processo de construção constitucional e foi
afastado o cenário de o rumo político do país poder ser imposto por correntes minoritárias
apoiadas em sectores militares. Também perderam, por outro lado, aqueles que
queriam aproveitar a oportunidade para mutilar o pluralismo político-partidário
e voltar a atirar para a clandestinidade uma parte da esquerda portuguesa: os
que quiseram ilegalizar o PCP (ou, talvez: começar por ilegalizar o PCP).
Os únicos que saíram vencedores do 25 de novembro foram
aqueles que permaneceram fiéis à ideia de que a democracia representativa é
para todos. Foi o caso do PS, sob a liderança de Mário Soares, entre os civis.
Foi o caso de Melo Antunes e os seus colegas do Grupo dos Nove, entre os
militares. Aí não temos, pois, lições a receber de ninguém.
O país não merece ficar pendente da guerrilha dos que tentam
relativizar a importância histórica singular do 25 de Abril. O 25 de novembro é
um momento do processo aberto a 25 de abril de 1974 e é nesse quadro que o
devemos lembrar e sobre ele refletir. Como, sobre isto, dizia o General Ramalho
Eanes há alguns anos: “Os momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se
apenas para refletir sobre eles.”
Mário Soares entregou o bastão de marechal a Spínola e
apoiou a amnistia a Otelo, duas personagens envolvidas com promotores de atividades
terroristas. E explicou que, compreendendo a legítima discordância das vítimas,
“não podemos viver 20 anos a pensar sempre no passado; temos de olhar para a
frente e dar passos no sentido da reconciliação nacional”. Fechar feridas. Tudo
o contrário de criar comissões para confortar politicamente quem se sente
incomodado com o 25 de Abril e quer produzir, artificialmente, alternativas à
sua comemoração, para a diminuir.
Porfírio Silva
(Deputado do PS)
