3.3.10

Geni e o Zepelim



Em mudança de uma capital para outra, por um período curto mas suficientemente longo para me baralhar a logística e o acesso à rede, vejo, mal começo a recuperar o contacto, que o país vai cada vez melhor. Em clima, claro. Vamos apenas a algo que pertence à categoria das coisas banais, aquelas que realmente mudam o mundo.

Depois de o Correio da Manhã ter dado os seus quinze minutos de glória a um bufo, daqueles que bufam muito sobre nada (por nada haver, mas isso ser difícil de entender para quem tem fome de um pedestal da altura de um tijolo burro); depois de o Público pré-pós-JMF (por haver sempre quem se disponha a dar o corpo pelo morto, para o morto poder ainda mexer) ter copiado a receita – compreendemos que tinha passado a ser coisa aceitável em Portugal que se entrasse no convívio de pessoas decentes para lhes roubar a correspondência por atacado e depois vender tudo na feira da ladra. Havendo quem comprasse. Nos intervalos, o ladrão, que aproveitara para sacar os números de telefone de alguns dos incautos, assedia como entretenimento de fim-de-semana os que tinham tido o azar ou a imprudência de cair em tal companhia. Tudo coisas que não é necessário ser doutorado, nem economista, nem professor da universidade católica do porto, para saber que são pulhices que se dispensam entre pessoas de bem. Mas está demonstrado que as pessoas decentes, que se movem pelo bem comum e não à gosma de uma colunazita em qualquer pasquim da capital, são o grupo mais vulnerável a gusanos (pela simples razão de os gusanos, aplicando técnicas apropriadas às matérias em decomposição, apanharem de tal jeito desprevenidas as pessoas de bem).


O essencial da coisa está em esta bufaria ser sobre nada. Não foi denunciado nada ilegal, nem imoral, nem sequer criticável. O essencial está em que a bufaria se apresenta como sendo, ela mesma, a moralidade – enquanto condenáveis seriam os cidadãos que se dedicam a essa actividade estranha da participação política desinteressada. O crime parece ser que essa gente “apoia o governo”, o PS, talvez até o Sócrates, enfim, tudo o que representa todo o mal. Já houve regimes totalitários que começaram assim: antes de fazer passar um grupo à clandestinidade, no sentido legal do termo, marca-se esse grupo como “indesejável”, como o tipo de pessoa que não se deve visitar, nem à mesa do café quanto mais em casa.

Depois do pessoal do carvão, os que fazem o trabalho sujo de roubar a correspondência sem qualquer justificação com o interesse público, entram em campo os “intelectuais”. Os tipos que fazem as teorias: o papel que embrulha as poias para que os carregadores possam pegar no embrulho e levá-lo a outros destinos. Foi assim que entrou em campo José Pacheco Pereira, designadamente dando à estampa no Público um artigo intitulado “Um estranho Verão entre eleições”, onde acusava o SIMplex, um blogue de campanha que apoiou o PS nas últimas eleições legislativas (às claras, sem subterfúgio em qualquer pseudo-programa de televisão ao estilo “conversa em família” pós-marxista-leninista), de ter servido de suporte ao fluxo de informação do governo, sendo preparado por “assessores” e utilizando bases de dados da Rede Informática do Governo. Vários ex-co-autores do SIMples, amigos, companheiros e camaradas (desculpem os que não reúnem as três condições simultaneamente, podem supor a disjuntiva como conectiva) dessa bela aventura cívica já disseram, em outras páginas do mesmo jornal, muito do que havia a dizer sobre isso, nomeadamente: Eduardo Pitta, Sofia Loureiro dos Santos, Bruno Reis e Irene Pimentel e (acrescento) Ana Vidigal.

O polvo, entretanto, não ficou por aqui. Como está na moda, em certos círculos, empurrar para a clandestinidade qualquer suspeito de simpatia com um grupelho minoritário que, como é sabido, foi escorraçado da vida política portuguesa pelo povo soberano nas últimas eleições legislativas, “alguém” tinha de continuar a perseguição. O jornal i, talvez arrependido de se ter atrasado a dar vazão à correspondência roubada acima mencionada, decide dar uma lição a mais um radical livre. Denuncia, serviço público eminente, mais um extremista, provavelmente terrorista, talvez bombista suicida, mais um tipo que apoiou o PS nas últimas legislativas (ainda por cima, crime dos crimes, parece que apoiou o PS mas sem se coibir de criticar o PS, ou dirigentes da administração que parece que deviam ser pró-PS ou coisa assim). E encontrou a seguinte forma original de proceder à limpeza: “denuncia” o autor anónimo do blogue O Jumento, uma entidade que também participou no SIMplex e, por isso, evidentemente a precisar de ser calada. Razão avançada para essa invasão da privacidade? Interesse público envolvido? Não, nada. Apenas isto, explicadinho bem claro: um monte de tolices.

Uma “obra” da autoria de uma pessoa que parece ter os títulos legais para se dizer jornalista. E também, não por carteira profissional, mas por provas dadas na vida real, um humorista com muita lata. E, já agora, uma pessoa de bom argumento.

E estamos nisto. Parece coisa pouca. Mas não se iludam. O poder corrompe, mas não é só o poder de Estado que corrompe. O “quarto poder” pelos vistos também corrompe. Corrompe pelo menos aqueles que vendem a alma que não têm para lá deixarem a pegada. E a falta de poder, com a correspondente sede, também corrompe. Corrompe ao ponto da indignidade que grassa.

Muito mais haveria a dizer e a conversa já vai longa. Por hoje deixo aqui apenas uma dedicatória a um doutor por extenso, que corre desenfreadamente de uma área política para outra, que muda de opinião económica com mais frequência do que eu durmo uma sesta, que entra e sai de blogues mais depressa que o TGV, que apaga blogues colectivos como se fosse o dono da blogosfera nacional, que escreve posts que depois apaga e diz que foi por engano para dizer o que disse e dizer que não disse embora tenha dito porque para alguma coisa lá está a cache do Google, que espiolha as pessoas de bem com que consegue chegar à fala e se zanga por pedir que lhe arranjem uma colunazinha e não lhe arranjarem e depois muda de amigos porque nem todos os amigos têm colunas à mão de escrever, que tem um botão on/off no seu próprio blogue pessoal e que dá ao botão (escondendo e restaurando o blogue) cada vez que pensa que pode ter de pagar uma indemnização por mais uma f**** da p***** que lá escreveu, e que é tão untuoso que consegue arranjar quem veja justificações para esse comportamento. A esse senhor, dedico, para reflexão, a canção de Chico Buarque de Hollanda, pertencente à Ópera do Malandro, intitulada “Geni e o Zepelim”. Era bom que pensasse no significado dessa canção, senhor doutor. Sem ofensa para a Geni, claro está.