Don Quijote y Sancho Panza (por Gustave Doré)
Miguel de Cervantes, que tinha uma ideia muito própria acerca da valia de coisas que outros consideravam sumamente relevantes, como os ideais plasmados nos romances de cavalaria, escreve o Don Quijote de la Mancha como se fosse um romance realista, uma narrativa de coisas veríssimas. Esse pretenso realismo carrega as cores da ironia global da obra. E Cervantes tem os seus caminhos para plasmar literariamente esse artifício de pretensão realista. Por exemplo, logo no primeiro capítulo da obra (da então chamada primeira parte, dada à estampa em 1605), faz como se houvesse uma hesitação nas fontes acerca do verdadeiro apelido original do fidalgo que haveria de fazer fraca figura: seria segundo uns "Quijada", segundo outros "Quesada", mas mais provavelmente "Quijana". Esse fingido cotejar de fontes divergentes daria uma aparência de verdadeira investigação histórica ou até filológica, um erudito pesar de diferentes hipóteses. Apesar de, verdadeiramente, estando-se dentro de uma obra romanesca, isso ser tudo, precisamente, artifício.
No caso de Cervantes, a demanda era literária. Mas há outras demandas, menos artísticas, em que também se faz de conta que há investigação séria, cotejo de fontes, ponderação de hipóteses, procura de algum tipo de verdade, um toque de realismo. Quando, na verdade, se trata apenas de ficção. É isso que se passa quando se continuam a fazer malabarismos de toda a ordem para tentar manter o nome de Sócrates ligado a processos que, já se percebeu, não têm nada a ver com esse homem que ora é PM de Portugal. Eis aqui mais um exemplo. Afinal, como escreve Leonel Moura, estas fracas imitações das técnicas literárias de Miguel de Cervantes não são mais do que uma nova forma que se vai dando ao método do golpe de estado: agora sem tanques, mas com juízes e jornalistas que não honram a sua profissão.
(links apanhados no Câmara Corporativa)