23.3.10

eu pensava que grande parte da esquerda era laica



Eu pensava que grande parte da esquerda era laica. Que não espera que caia maná do céu. Que acreditava na necessidade do nosso próprio empenhamento responsável na modificação das nossas condições. Mas não: certas tomadas de posição relativamente ao PEC, que fazem passar a ideia de que "tudo é possível", não são apenas idealistas: são profundamente "religiosas", quer dizer, vivem de "fézadas". É que uma coisa é propor outras opções perfeitamente compatíveis com o quadro que enfrentamos (como alguns membros do PS têm proposto, por exemplo aqui), outra coisa é querer convencer alguém de que podemos ir, a gosto, de qualquer ponto da história a qualquer outro ponto da mesma história do mundo, sem limitações de espécie alguma. Como se a cabra pudesse optar por ter um pescoço de girafa para maior facilidade em alcançar as folhas das árvores mais altas.
Por outro lado, não me surpreende o "orgulhosamente sós" de algumas dessas vozes que se reclamam de esquerda da esquerda. Uns tantos dos que criticam o PEC entendem, no fundo, que Portugal viveria bem era sem os constrangimentos da Europa e do Euro e dessa tralha toda. Autarcia. O velho sonho salazarista. Sós contra o mundo. Talvez também fechar as fronteiras, o que faria uma bela ponte ideológica com a direita mais extrema. Comer o pão das nossas searas. Beber o vinho das nossas cepas. Respirar o ar das nossas serras. E estiolar à sombra da irresponsabilidade de uma esquerda que deixou de ter tomates para dizer a verdade. E a verdade é que o "socialismo" ou qualquer outra coisa que se queira prometer, mesmo que seja apenas um pouco mais de igualdade e de equidade, só lá vai com esforço. "Por nossas mãos, por nossas mãos", como dizia a canção.
(Isto, claro, não me deixa ter menos pena da pobreza de espírito daqueles que, "do nosso lado", tratam as divergências como "traição". Mas essa é outra história.)