Ontem fui ver Muerte Accidental de un Anarquista, versão do texto de Dario Fo pelo Suripanta Teatro (Extremadura), que se apresentou na XV Muestra de Teatro de las Autonomías, a decorrer no Circulo de Bellas Artes (Madrid).
Para muitos, esta é a melhor peça do italiano Dario Fo, um escritor que nunca fugiu às implicações políticas do teatro e que aqui não destoa. Prémio Nobel da Literatura, viu a Academia Sueca considerá-lo como um herdeiro dos jograis medievais, na função de ridicularizar os poderes estabelecidos e restaurar a dignidade dos oprimidos. Nesta peça, estreada há quase 40 anos, ridiculariza a hipocrisia dos que defendem a "versão oficial" a todo o custo - e também aqui recorre ao riso como ácido revelador e corrosivo. O cómico mistura-se com uma trama de novela policial enredada, fazendo-nos rir sem nos dispensar de pensar.
O ponto de partida é um acontecimento histórico: o ferroviário anarquista e pacifista Giuseppe Pinelli, acusado de participar num atentado em que tinham morrido 16 pessoas, está a ser interrogado na polícia quando... cai de uma janela... e morre suicidado! Ninguém tem dúvidas de que o homem foi assassinado pela polícia (reportar que um suicidado morreu por acidente é uma das gaffes do enredo em que a polícia, na peça, se enreda), mas os juízes arquivam o caso, supostamente pressionados pelo governo. Guiados por um dos "loucos" inteligentes de Fo, vamos seguir as peripécias de caso tão revelador.
Nesta versão, para meu gosto, o cómico ridículo é, a partir de certa altura, levado um pouco longe demais: é tanta a bofetada e a zaragata que o objecto perde um pouco de credibilidade, a ponto de prejudicar a compreensão do que está a ser dito nas entrelinhas do burlesco. Se a companhia achava que a estratégia geral dos enganos proporcionados pelo louco encartado, apesar de brilhante, podia cansar - havia de ter buscado outras linhas de ataque. O excesso, a partir de certa altura, faz vir ao de cima o aspecto estereotipado das personagens aqui mostradas, o que não tinha necessariamente de ser com um texto inteligente como este. De todos os modos, em geral, foi mais uma agradável visita ao teatro que se faz em Espanha.
Note-se que está em causa nesta peça um tratamento desajustado dado pela polícia a um suspeito de terrorismo, estão em causa métodos pouco ortodoxos de "inteligência" policial face aos grupos terroristas - e isto encena-se num país que sofre de terrorismo e também já teve os seus episódios de "terrorismo policial" no combate ao terrorismo. O teatro é assim: é para pegar no touro pelos cornos. Doam a quem doerem (os cornos).