1.4.21

Educação, pandemia, democracia


Publico aqui, para registo, a minha intervenção, ontem, no Parlamento, sobre políticas públicas de educação. 

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Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Sobre o conjunto de propostas importantes que temos aqui hoje em matéria educativa, não vou poder pronunciar-me sobre todas, mas queria mencionar três pontos importantes.


Em primeiro lugar, queria começar por referir-me à proposta do PCP sobre os apoios aos estudantes no contexto da ação social escolar.

A A.S.E. tem respondido de forma robusta às consequências da pandemia. As escolas têm continuado a ser centros de resposta aos desafios sociais provocados pela situação que vivemos há cerca de um ano, sempre que necessário com critérios alargados. 

É verdade que a proposta contém alguns elementos que precisariam de esclarecimento, como seja a comparticipação para visitas de estudo num tempo em que não há visitas de estudo.

De qualquer modo, reconhecemos que o apoio social aos estudantes é uma matéria relevante, que precisamos monitorizar constantemente, o que o governo tem feito, reforçando a A.S.E., a sua missão e os meios de que dispõe. É preciso ter presente, por exemplo, além daquilo que o meu colega Deputado Tiago Estêvão Martins já hoje aqui referiu só na semana que estamos a terminar, é preciso lembrar, por exemplo, que o programa dos manuais escolares gratuitos, um fortíssimo investimento público em educação, aliviou as famílias daquela que, para muitas, era a maior fatia dos encargos com a educação dos seus filhos.

Quero, no entanto, ser muito claro num ponto fulcral, do ponto de vista legislativo, acerca da proposta do PCP. É, claramente, uma antecipação do próximo Orçamento de Estado, na medida em que pretende produzir efeitos com a entrada em aplicação do OE subsequente, como aí se diz, o que tem uma vantagem: é mostrar que haja alguém que entende que a Constituição é para respeitar, nomeadamente no que toca à lei-travão, e que as decisões com impacto orçamental são para ser tomadas no momento correto para elas serem tomadas.

Contudo, no último ponto dessa proposta, deixa-nos uma perplexidade, na medida em que parece dizer que o governo tentará aplicar a lei antes do prazo em que a própria lei estabelece que ela será aplicada e que essa mesma lei produzirá efeitos.

Seria, assim, uma lei a meio gás, uma lei lusco-fusco, uma lei na forma tentada: não está a produzir efeitos, mas cabe ao governo fazer com que produza efeitos. Parece que esta abordagem deveria ser servida, na melhor das hipóteses, por uma recomendação e não por uma lei, evitando, até, lançar incerteza jurídica sobre pessoas que estão no terreno a fazer um trabalho onde já há suficiente incerteza provocada pela pandemia para não acrescentarmos incerteza jurídica.

Há, também, várias propostas sobre exames, matéria onde tradicionalmente encontramos no espectro político um leque muito variado de posições, desde os que defendem os exames como o alfa e o ómega da educação, até aos que rejeitam qualquer forma de avaliação externa. Para nós, tanto a avaliação interna como a avaliação externa têm o seu papel e devem ser equilibradas ao serviço das aprendizagens.

Por isso, apoiamos a posição equilibrada definida pelo governo: em mais este ano de pandemia, é suspensa a realização das provas de aferição, é suspensa a realização das provas de 9º ano e só se realizam os exames nacionais que funcionam como provas de acesso ao ensino superior.

Procura-se, assim, conciliar vários valores.

Primeiro, por razões de saúde pública, é preciso limitar o número de provas a realizar presencialmente, e é preciso definir isso antecipadamente, porque a pandemia já demonstrou que não podemos ter certezas acerca do que se vai passar daqui a alguns meses e temos de tomar decisões prudentes, que permitam às pessoas precaver-se e planear.

Segundo, é prudente não fazer modificações profundas e definitivas no sistema educativo a meio de uma pandemia. Tal como nos parece que não devemos fazer experiências com a vida das pessoas – o que estaríamos a fazer variando as regras de um ano para o outro no decurso da mesma pandemia.

E, terceiro, não podemos afunilar a vida dos alunos só no crivo dos exames.

Sabemos hoje, não só por observação direta, mas também pelos estudos que, entretanto, se fizeram, designadamente o diagnóstico promovido pelo Ministério da Educação desde o ano passado e que foi apresentado publicamente pela primeira vez esta semana, que há perdas relevantes provocadas por esta situação atual no desenvolvimento dos alunos. Mas não são só perdas escolares no sentido estrito. São perdas emocionais, perdas relacionais, perdas de socialização, perdas ao nível dos equilíbrios de inserção social e familiar. Nesta situação, seria absolutamente desajustado afunilarmos a resposta educativa nos exames, desatendendo outras dimensões essenciais.

Daí a opção por suspender as principais provas externas, só se mantendo as provas de acesso ao ensino superior e os seus resultados só contando para esse efeito. O secundário é concluído com as avaliações internas. Ora, qualquer desvio deste modelo seria discriminatório contra alguns alunos, a menos que se realizem todos os exames terminais de secundário, como em ano normal, o que manifestamente não é o caso em tempo de pandemia.

Aliás, o ano transato mostrou que esta solução era equilibrada e que, na realidade, não atrapalhou o acesso ao ensino superior, apesar dos compreensíveis receios que alguns expressaram nessa altura, mas receios que não se concretizaram.

Finalmente, sobre a redução do número de alunos por turma, cabe lembrar que está em curso desde a legislatura anterior, um compromisso que o governo do PS assumiu e tem honrado com pontualidade.

Essa redução, que representará em 2021/2022 um investimento da ordem dos 83 milhões de euros (são mais ou menos 3.000 horários docentes a mais), está a ser implementada de forma progressiva e incremental – e é assim que achamos que deve ser feita, como previmos desde o início, como aprovámos aqui, um programa de redução progressivo e incremental; quando o concluirmos, vamos avaliá-lo e vamos ver se é preciso fazer mais.

Agora, o que não podemos é cair na tentação de que é possível, do ponto de vista físico, resolver os problemas de distanciamento durante a pandemia com uma redução universal do número de alunos por turma além do que está a ser feito.



Porfírio Silva, 1 de Abril de 2021