17.11.14

O coro de elogios a Miguel Macedo.



O coro de elogios a Miguel Macedo por se ter demitido é grande, mas não deve impedir-nos de pensar. É claro que a capacidade de um ministro para avaliar da suas condições para o ser contrasta com a incapacidade de outros ministros para enxergarem o papel que andam a fazer. Mas não pode esgotar-se aí a questão. Neste caso, o argumento do ministro que se demite é claro: o que está a acontecer minava a sua autoridade política. Julgo que tem razão, na medida em que suspeitas relevantes atingem gente vária do sector que tutelava. Isso nada tem a ver, prima facie, com a responsabilidade do próprio; tem a ver com a lógica objectiva do exercício político. E, esperemos que não, mas também podia ter a ver com responsabilidades pessoais que o público não conhece. Nesse caso, esta demissão seria apenas uma boa táctica para aliviar a pressão. Não tenho, contudo, nenhum dado que me leve a concluir nesse sentido - nem é isso que me interessa de momento.

O que me interessa é outro aspecto, mais geral, da questão. Não creio que qualquer responsável político, atingido por qualquer suspeita, deva demitir-se sem mais. Creio mesmo que, em certas circunstâncias, é dever de um responsável político resistir à facilidade de sair de cena quando pareça suspeito. Por que digo isto? Porque, se o resultado de qualquer suspeita, mesmo alicerçada na máquina judicial, for automaticamente a demissão cautelar do político visado, daí resultará um mecanismo vicioso para a democracia. A saber: a construção de processos sem qualquer base sólida com o mero fito de provocar dificuldades políticas a certos adversários. E, se as demissões cautelares se generalizassem sem mais, esse comportamento irregular seria premiado.

Por exemplo, o anterior PM, José Sócrates, foi visado por suspeitas, que correram trâmites na máquina judicial, e que, pelo menos num caso, se veio a saber (escrito em sentença) terem nascido de verdadeiros conluios, especificamente congeminados por pessoas identificadas, para montar tais "acontecimentos". Nunca tendo essas demandas chegado a lado nenhum (sem nunca serem bem sucedidos esses processos a provar seja o que for), elas teriam mesmo assim atingido os seus objectivos se JS tivesse optado, para ser poupado a essas guerras, por se afastar. Se o tivesse feito, a escolha democrática dos cidadãos teria sido torpedeada por obscuras personagens jogando um jogo enviesado e desleal. JS perdeu, quando perdeu e nas circunstâncias que perdeu, mas nunca tomou a iniciativa de ceder aos ataques que, indignamente, se mascararam de justiça.

Não constitui este meu apontamento nenhuma tentativa de resolver o problema de determinar o que fazer nestes casos. Pretendo, apenas, chamar a atenção para a necessidade de não tomar por simples o que é complexo. E de não deixarmos que a táctica política sobredetermine a nossa forma de pensar o fundo destes problemas. Deixando, claro, que a separação de poderes valha aquilo que todos dizem que deve valer.

(imagem LUSA)