14.11.14

Kajetan Kovič (1931-2014).


Em Junho de 2007, por amizade a sua filha Nina Kovič e seu genro Želimir Brala, que se despediam de uma estadia diplomática em Portugal, publicámos neste blogue um apontamento com um fragmento da obra do escritor e poeta esloveno Kajetan Kovič (n. 1931). Hoje voltamos a publicar um dos poemas que então escolhemos, ainda e sempre guiados pelo carinho que temos por Želimir e Nina, mas desta vez para homenagear a memória de Kajetan Kovič, que faleceu há uma semana (07/11/14). O poema, Mon père, foi um dos declamados na cerimónia de despedida, que teve lugar esta terça-feira. A imagem é a que estava no féretro.
Želimir e Nina: em sua homenagem, e à poesia, lemos hoje este poema, em voz alta, cá em casa.

(Kajetan Kovič, foto por Tone Stojko,1999)

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Mon père

Mon père,
não sei porque te chamo assim,
não falavas francês,
mas isto provavelmente terias entendido,
talvez eu to diga numa língua estrangeira
por causa da distância,
conseguíamos amar-nos
apenas assim:
não muito de perto.
Estávamos sentados
em velhas tabernas,
bebíamos um riesling
ou um šipon
ou, mais frequentemente,
qualquer vinho ácido,
falávamos
das coisas muito comuns.
A vida parava
por de trás das portas,
numa distância segura.
Parecia impetuosa demais
para lhe dar um nome.
Tínhamos medo,
mon père,
das palavras fortes demais.
Agora és apenas
uma foto na parede
e uma tumba num bonito cemitério.
Acendo-te uma lamparina,
trago-te flores.
Não a ti,
aos teus ossos.
Conto-te
tantas cousas.
E tu calado.
Apenas a tua lápide.
Com as datas.
De – a.
Meu Deus,
que cousas os filhos não dizem
hoje aos pais.
Aos vivos e aos mortos.
Mon père,
nenhum era
como tu.
Tão só,
tão meu,
tão pai,
perdido neste mundo
como eu.

Kajetan Kovič (1931-2014)
(tradução de Želimir Brala) in Litterae Slovenicae / Slovenian Literary Magazine, 2 – 1999 – XXXVII – 95 – Número integralmente em português, dedicado a “Nove poetas eslovenos contemporâneos” (pp. 21-22)

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Para enquadramento: «A poesia de Kajetan Kovič considera-se o marco divisório, erguido em ambas partes, que representa a passagem da poesia tradicional para a poesia moderna. Kovič faz parte do grupo dos poetas que publicaram “Permi štirih” (“Os Poemas dos Quatro”), a compilação que introduziu “o intimismo” e a postura poética apolítica que acabou por ser entendida, porque se afastou do realismo social e adrede tomou a atitude contra “a poesia de alvião” que pateticamente glorificava o trabalho e a colectividade e onde quase sempre figurava o sujeito “nós”, como um acto político.» (Matej Bogataj)