22.9.11

miséria moral.


Uma táctica particularmente manhosa para tentar poupar certas forças e personalidades ao desgaste do efeito Jardim da Madeira, se é que ainda alguém se desgasta por ter compagnons de route encalacrados em altas alhadas, é meter tudo no saco da criminalização da política. Basicamente, o argumento é: se a gestão política de outros governos colocou o país em dificuldades, Jardim não fez mais do que isso. Trocado por miúdos: se querem julgar Jardim, sentem Sócrates no mesmo banco dos réus (um termo que, desaparecido dos tribunais, continua em força na política).
Convém estar bem atento ao significado desta operação. A operação consiste em confundir duas coisas diferentes. Uma coisa é a responsabilidade política: tomar boas ou más decisões, dadas as circunstâncias e o conhecimento que delas se tem ou deve ter, sendo essas decisões mais ou menos transparentes para os cidadãos em geral. Isso deve ser julgado politicamente: debate e decisão eleitoral. Outra coisa bem diferente consiste em violar as regras legais que obrigam quem governa, para isso abusando precisamente da posição de governante e do controlo da administração (e abusando, ainda, de uma "sociedade civil" manietada por décadas de governança pró-ditatorial).
Não estou aqui a defender que Jardim seja levado a tribunal pelo que fez. Para tanto, será preciso saber se o ordenamento jurídico tipifica os seus actos de forma que justifique apresentá-lo à justiça. E convém notar que a responsabilização criminal de um indivíduo não deve servir de fuga às nossas colectivas responsabilidades políticas (ponto em que Daniel Oliveira tem alguma razão). Tribunal à parte, portanto, entendo que, se Jardim fez aquilo que se tem noticiado nos últimos dias, a gravidade da sua actuação é incomparável com eventuais erros políticos na governação (não é apenas mau governo). Toda a gente por essa Europa fora reconhece isso: a primeira das diferenças entre a Grécia e outros aflitos, como Portugal ou a Irlanda, é que apenas no caso da Grécia havia uma responsabilidade dos governantes na deliberada aldrabice na prestação de contas. A gravidade do que agora se passa com a Madeira é, precisamente, que passámos, graças a Jardim, para a categoria dos falsificadores.
Tentar misturar tudo, querer dar a ideia de que está tudo no mesmo plano, alagando tudo na conversa da criminalização da política, é uma das últimas armas da política do ódio em Portugal. Como todas as tentativas de baralhar tudo, colocar tudo no mesmo cesto para que os nossos amigos não fiquem pior no retrato do que os outros, misturando coisas diferentes para relativizar o pior; como todas as tácticas de meter lama na ventoinha para evitar que façamos distinções lúcidas entre responsabilidades diferentes - esta manobra só pode ser qualificada de uma maneira: miséria moral. A destruição da comunidade política torna-se um cenário mais provável quando se passa ao ataque dos fundamentos pré-políticos da nossa pertença a uma comunidade. É a esse nível que a miséria moral desta operação é corrosiva. Deliberadamente?