Em mudança de uma capital para outra, por um período curto mas suficientemente longo para me baralhar a logística e o acesso à rede, vejo, mal começo a recuperar o contacto, que o país vai cada vez melhor. Em clima, claro. Vamos apenas a algo que pertence à categoria das coisas banais, aquelas que realmente mudam o mundo.
O essencial da coisa está em esta bufaria ser sobre nada. Não foi denunciado nada ilegal, nem imoral, nem sequer criticável. O essencial está em que a bufaria se apresenta como sendo, ela mesma, a moralidade – enquanto condenáveis seriam os cidadãos que se dedicam a essa actividade estranha da participação política desinteressada. O crime parece ser que essa gente “apoia o governo”, o PS, talvez até o Sócrates, enfim, tudo o que representa todo o mal. Já houve regimes totalitários que começaram assim: antes de fazer passar um grupo à clandestinidade, no sentido legal do termo, marca-se esse grupo como “indesejável”, como o tipo de pessoa que não se deve visitar, nem à mesa do café quanto mais em casa.
Depois do pessoal do carvão, os que fazem o trabalho sujo de roubar a correspondência sem qualquer justificação com o interesse público, entram em campo os “intelectuais”. Os tipos que fazem as teorias: o papel que embrulha as poias para que os carregadores possam pegar no embrulho e levá-lo a outros destinos. Foi assim que entrou em campo José Pacheco Pereira, designadamente dando à estampa no Público um artigo intitulado “Um estranho Verão entre eleições”, onde acusava o SIMplex, um blogue de campanha que apoiou o PS nas últimas eleições legislativas (às claras, sem subterfúgio em qualquer pseudo-programa de televisão ao estilo “conversa em família” pós-marxista-leninista), de ter servido de suporte ao fluxo de informação do governo, sendo preparado por “assessores” e utilizando bases de dados da Rede Informática do Governo. Vários ex-co-autores do SIMples, amigos, companheiros e camaradas (desculpem os que não reúnem as três condições simultaneamente, podem supor a disjuntiva como conectiva) dessa bela aventura cívica já disseram, em outras páginas do mesmo jornal, muito do que havia a dizer sobre isso, nomeadamente: Eduardo Pitta, Sofia Loureiro dos Santos, Bruno Reis e Irene Pimentel e (acrescento) Ana Vidigal.
O polvo, entretanto, não ficou por aqui. Como está na moda, em certos círculos, empurrar para a clandestinidade qualquer suspeito de simpatia com um grupelho minoritário que, como é sabido, foi escorraçado da vida política portuguesa pelo povo soberano nas últimas eleições legislativas, “alguém” tinha de continuar a perseguição. O jornal i, talvez arrependido de se ter atrasado a dar vazão à correspondência roubada acima mencionada, decide dar uma lição a mais um radical livre. Denuncia, serviço público eminente, mais um extremista, provavelmente terrorista, talvez bombista suicida, mais um tipo que apoiou o PS nas últimas legislativas (ainda por cima, crime dos crimes, parece que apoiou o PS mas sem se coibir de criticar o PS, ou dirigentes da administração que parece que deviam ser pró-PS ou coisa assim). E encontrou a seguinte forma original de proceder à limpeza: “denuncia” o autor anónimo do blogue O Jumento, uma entidade que também participou no SIMplex e, por isso, evidentemente a precisar de ser calada. Razão avançada para essa invasão da privacidade? Interesse público envolvido? Não, nada. Apenas isto, explicadinho bem claro: um monte de tolices.
Uma “obra” da autoria de uma pessoa que parece ter os títulos legais para se dizer jornalista. E também, não por carteira profissional, mas por provas dadas na vida real, um humorista com muita lata. E, já agora, uma pessoa de bom argumento.
E estamos nisto. Parece coisa pouca. Mas não se iludam. O poder corrompe, mas não é só o poder de Estado que corrompe. O “quarto poder” pelos vistos também corrompe. Corrompe pelo menos aqueles que vendem a alma que não têm para lá deixarem a pegada. E a falta de poder, com a correspondente sede, também corrompe. Corrompe ao ponto da indignidade que grassa.
Muito mais haveria a dizer e a conversa já vai longa. Por hoje deixo aqui apenas uma dedicatória a um doutor por extenso, que corre desenfreadamente de uma área política para outra, que muda de opinião económica com mais frequência do que eu durmo uma sesta, que entra e sai de blogues mais depressa que o TGV, que apaga blogues colectivos como se fosse o dono da blogosfera nacional, que escreve posts que depois apaga e diz que foi por engano para dizer o que disse e dizer que não disse embora tenha dito porque para alguma coisa lá está a cache do Google, que espiolha as pessoas de bem com que consegue chegar à fala e se zanga por pedir que lhe arranjem uma colunazinha e não lhe arranjarem e depois muda de amigos porque nem todos os amigos têm colunas à mão de escrever, que tem um botão on/off no seu próprio blogue pessoal e que dá ao botão (escondendo e restaurando o blogue) cada vez que pensa que pode ter de pagar uma indemnização por mais uma f**** da p***** que lá escreveu, e que é tão untuoso que consegue arranjar quem veja justificações para esse comportamento. A esse senhor, dedico, para reflexão, a canção de Chico Buarque de Hollanda, pertencente à Ópera do Malandro, intitulada “Geni e o Zepelim”. Era bom que pensasse no significado dessa canção, senhor doutor. Sem ofensa para a Geni, claro está.