12.4.24

Não confunda espelhos com janelas, Sr. Primeiro-Ministro!





O editorial de hoje do Acção Socialista Digital, que assino na qualidade de diretor do órgão informativo oficial do PS, é uma reflexão focada no debate do programa do XXIV Governo Constitucional, que decorreu ontem e hoje na Assembleia da República. Para registo, deixo-o aqui transcrito.

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Não confunda espelhos com janelas, 

Sr. Primeiro-Ministro!


O Professor Alexandre Quintanilha – um renomado cientista que dedicou nos últimos anos muito do seu tempo à política ativa, tendo presidido, indicado pelo PS, mas com aprovação geral, à Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República – usa frequentemente uma adaptação de uma frase cunhada originalmente por Sydney J. Harris, que era sobre educação e, nesta nova criação, é sobre conhecimento: “A principal função do conhecimento é transformar espelhos em janelas”.


Transformar espelhos em janelas, seja propósito da educação, seja propósito do conhecimento, é muito relevante para a convivência democrática em sociedades complexas, onde as diferenças de condições de vida, as diferença de interesses (mesmo considerando apenas os interesses legítimos), as diferenças de opinião e de projeto têm de caber no plano mínimo da cidadania e do respeito pela dignidade do ser humano – e qualquer esquecimento dessa realidade fará perigar o pluralismo sem o qual as sociedades abertas sucumbem. Transformar espelhos em janelas – transformar o fechamento em abertura – terá de ser, então, também, um caminho a fazer pela ação política.


Ora, o debate do programa do XXIV Governo Constitucional, ontem e hoje na Assembleia da República, mostrou um executivo, e, principalmente, um primeiro-ministro que, ao invés do que seria necessário à República, confunde espelhos com janelas. E prefere os espelhos às janelas. Em lugar de entender o valor do empenhamento do Partido Socialista numa oposição responsável e construtiva, quer abusar desse compromisso institucional e exige ao PS que seja uma oposição domesticada. Em lugar de entender que a atitude do PS é exigente, para si próprio e para o Governo, porque requer maturidade e capacidade de compromisso, permanente e sempre renovada, imaginativa e concreta, adota uma soberba autossuficiente para a qual não tem votos. Em lugar de entender que os portugueses que votaram no PS têm tanto direito a serem representados no parlamento como os portugueses que votaram na AD (ou nos outros partidos parlamentares), pretende que os resultados eleitorais só relevam para os deputados que suportam o governo e esquece as obrigações de representação dos deputados que foram eleitos com outros programas. Todas as janelas de diálogo que estavam em condições de serem abertas foram, com estrondo, fechadas por Luís Montenegro.


O primeiro-ministro, desde o primeiro momento do debate, tentou fechar as janelas do diálogo a que só pode estar obrigado, sendo um governo minoritário, e tratou de substituir janelas por espelhos – usando o espelho onde se olha para, sem se espantar por o seu aparente interlocutor ter exatamente a sua face, fingir que dialoga. Fala consigo mesmo e diz que dialoga. Afinal, o debate acabou com o número dois do governo, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, a desmentir o número um da equipa. Aquilo que ontem, a abrir, Luís Montenegro dizia que era sinal de diálogo – escolher, unilateralmente, avulsas propostas dos outros para embelezar o seu programa de governo – veio Paulo Rangel, hoje, a fechar, dizer que não podia ser feito em diálogo, porque sobre programa de governo não se dialoga. A contradição vale como atestado da ineficiência da sobranceria que a AD julga, erradamente, que compensa os votos que não teve.


De forma bem diversa, e contrastante, o Secretário-Geral do PS, Pedro Nuno Santos, mostrou uma compreensão clara e aguda do que está em causa, em termos de preservação da República democrática: “Contam connosco para defender o regime, a democracia e a Constituição. Não contam connosco para o retrocesso económico, social e cultural.” E também uma compreensão nítida e lúcida do que é ser oposição responsável: “Não é só o governo que tem iniciativa, o parlamento e os grupos parlamentares também têm. Não é só o governo que quer que lhes aprovem as suas iniciativas, os grupos parlamentares também querem.” E anunciou, de imediato, cinco iniciativas parlamentares, que correspondem a compromissos eleitorais do PS. Assim, pela voz do seu secretário-geral, o PS mostra que funciona com janelas: coloca o seu contributo em cima da mesa e vai a jogo para que haja efetivo diálogo e para que saibamos quem é capaz de entendimentos concretos e palpáveis, para lá da retórica.


Ficamos – fica o país – à espera que o Primeiro-Ministro deixe de falar apenas consigo mesmo ao espelho e se chegue à janela do verdadeiro diálogo.


Porfírio Silva, 12 de Abril de 2024
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