18.3.11

não pagamos?


Eu não sou situacionista: não confundo "o que está" com "o que tem de estar". Entendo perfeitamente aqueles que dizem que a austeridade imoderada, em vez de resolver os problemas económicos do país e da Europa, os agrava. Já não entendo aqueles que fazem de conta que Portugal tem as mãos livres para se comportar como entender. Pretender que o nosso país poderia, simplesmente, dizer "não pagamos", e que isso não teria consequências, é vender gato por lebre. Mas, e há sempre um mas, também pode não ser completamente avisado afastar liminarmente a possibilidade do "não pagamos", por exemplo numa fórmula mais suave do tipo "pagamos, mas não pagamos tudo já". Há, nesta matéria, muita gente em posições fechadas, em certezas absolutas que não se coadunam nada com o extraordinário da situação em que vivemos. Valeria a pena discutir isto melhor.
A sugestão de José Castro Caldas, um dos Ladrões de Bicicletas, merece reflexão:
É uma escolha difícil: continuamos a aceitar a austeridade punitiva que nos está a levar à recessão e à incapacidade de financiar o deficit e pagar a dívida a prazo, ou preparamos a reestruturação da dívida já?
Os Islandeses quando tiveram de decidir se pagavam as dívidas dos “seus” bancos falidos optaram por fazer um referendo e escolheram não pagar, pelo menos de imediato. Já os Irlandeses não escolheram nada porque ninguém lhes perguntou.
O que nós escolheríamos na eventualidade improvável desta experiência mental se tornar realidade não sei. Só uma coisa me parece segura como resultado: o susto que os credores que actualmente mandam no euro apanhariam só com o debate público do assunto e as alternativas sensatas que, nesta eventualidade, lhes iriam ocorrer.
Há várias questões, na sugestão de JCC, que me parece necessitarem de esclarecimento. Por exemplo:
(1) A Islândia foi fortemente ajudada, numa base bilateral, por "países amigos", quer com base na solidariedade nórdica, quer com base na rede de interesses financeiros que passavam pela grande ilha gelada: pergunto a JCC quais são os países que acha que poderiam fazer isso por nós, abrindo os cordões à bolsa como bons samaritanos. (Além de que, na Islândia, o problema estava muito centrado nos bancos, não sendo esse o nosso caso.)
(2) Nesta altura do campeonato, já não há uma pequeníssima Islândia para salvar, mas vários pequenos e não tão pequenos: acha JCC que seria ainda fácil encontrar, fora do plano multilateral (UE e FMI), dinheiro suficiente para tão variados e amplos apoios de boa vontade? ("Fora do plano multilateral", porque, nesse plano, já sabemos como são atrozes as condições para qualquer ajuda.)
(3) A reacção da Islândia foi de uma imensa mobilização política e social do povo para enfrentar as condições que criaram a crise e mudar institucionalmente o cenário: acha JCC que o estado de espírito dos portugueses está para aí virado?
Isto já, claro, para não fazer perguntas do género: se simplesmente dissermos "não pagamos", vamos viver como sem o dinheiro que nos tem sustentado? Se quisermos, mais moderadamente, reescalonar a dívida ("pagamos, mas com outros prazos"), o que estamos dispostos a fazer para que acreditem em nós - e para que consigamos cumprir a promessa, já agora? Para a mentalidade portuguesa actual, isso não seria simplesmente adiar o momento da verdade?
Noutro plano, outra pergunta. O texto de José Castro Caldas tem o título: E se fizéssemos um referendo? Um referendo faria sentido, talvez. Não obstante, se "por acaso" houver eleições proximamente, não é preciso referendo nenhum: basta, por exemplo, que o BE ou PCP se apresentem às eleições com essa alternativa. Isso dará ao povo português uma oportunidade de discutir essa alternativa, de eventualmente a escolher - e, se calhar, até pode dar um bom resultado eleitoral ao BE. E, vantagem não dispicienda, obrigará outros partidos a pensar alto sobre isso. Por que de facto a gravidade da situação obriga a ter todas as hipóteses em aberto. Não podemos é fazer de conta, como JCC parece fazer de conta, que não há riscos nenhuns em dizer aos mercados "habituem-se, que aqui a malta só paga se nos apetecer".