O doente é justamente um doente, com a natureza particular e o modo de sentir modificado que a doença acarreta. Esta prepara a sua vítima com o fim de adaptá-la a si própria. Há diminuições de sensibilidade, desfalecimentos, narcoses providenciais, toda a espécie de subterfúgios e expedientes morais e espirituais, fenômenos que o homem são, na sua ingenuidade, se esquece de ter em conta. (…)
Que se lembrassem das doenças mentais, das alucinações, por exemplo. Se um dos seus interlocutores – o engenheiro ou o Sr. Wehsal – descobrisse nessa noite, à hora do crepúsculo, num canto do quarto, o seu falecido pai, que o olhasse e lhe dirigisse a palavra, seria isso, para a pessoa em apreço, uma experiência muitíssimo emocionante e perturbadora, que a faria duvidar dos seus sentidos e da sua razão e a induziria a sair imediatamente do quarto e a consultar um psiquiatra. Não era verdade? Mas o engraçado consistia precisamente no facto de essas coisas não poderem acontecer a nenhum deles, porque tinham o espírito são. Se, porventura, lhes ocorressem, já não estariam sãos, mas doentes, e não reagiriam como um homem sadio, quer dizer, espantando-se e fugindo, mas aceitariam o fenómeno como se ele fosse perfeitamente normal, entabulando uma conversa com o espectro, como os alucinados costumavam fazer. E acreditar que a alucinação constituía para estes um motivo de espanto saudável era justamente o erro de imaginação que cometiam aqueles que não estavam doentes.
Thomas Mann, A Montanha Mágica