14.1.10

A Mãe, de Brecht, no Teatro Municipal de Almada




O russo Máximo Gorki escreveu o romance (1906), Bertolt Brecht (em equipa com alguns outros) adaptou para uma peça de teatro em tom alemão (1932), o objecto deu a volta ao mundo e aterra agora no Teatro Municipal de Almada, encenada por Joaquim Benite. Falamos de A Mãe.
Nas palavras do TMA, "o dramaturgo alemão deixa que Vlassova, sinuosa e progressivamente, aprenda a interpretar a luta de seu filho, que acabará por morrer, contra a iniquidade czarista. De dona de casa timorata e apaziguadora, Pelagea Vlassova transformar-se-á em revolucionária activa, porta-estandarte de uma utopia nova, capaz até de identificar a ignorância, o medo e o desânimo como os principais filtros entorpecedores de que se servem os totalitarismos (Brecht pensava no capitalismo selvagem, mas especialmente, no nazismo, que subiria ao poder em 1933)."
O texto teatral é explícito: trata-se d’O Partido. Não é uma luta qualquer. Não terá sido por acaso que Brecht recebeu, em 1955, o Prémio Internacional Stalin para o Fortalecimento da Paz entre os Povos, concedido pela URSS. Se o que está em causa é a tomada de consciência, e se “é no seio de uma luta de operários (…) que é possível ganhar uma consciência” (Benite), a entidade mediadora desse processo é “O Partido”. Depois de tudo o que se passou no mundo – depois de todas as utopias liberticidas – o texto não passa facilmente por todas as gargantas.
Laura Bradley, ao escrever sobre “Bertolt Brecht e as encenações de A Mãe”, afirma: “Ao rever liberalmente e reinterpretar as suas peças, Brecht demonstrava um flagrante menosprezo pelo Werktreue, o conceito de fidelidade à obra original, que os conservadores têm invocado em defesa das interpretações literárias dominantes e dos modos tradicionais de representação.” A mera menção desta possibilidade de reinterpretação legitima que nos questionemos quando vemos este texto levado à cena, actualmente, na sua integralidade. Sem reinterpretação, arriscamos dizer. Benite explica: “acho que tenho responsabilidades culturais que ultrapassam a mera criação artística; se faço uma peça de Brecht, que as pessoas nunca viram ou de que apenas ouviram falar, é natural que a procure mostrar na sua integralidade”. É uma explicação razoável.
Por outro lado, como diz ainda Benite: “Não é por acaso que a peça se detém em 1917. (…) Aqui fala-se do Comunismo de um modo geral, como sonho e aspiração, não se querendo abordar as sequelas da Revolução de 17 em toda a complexidade que elas assumiram.” Pois, se calhar é aí que está a encruzilhada: pode ser que o espectáculo só funcione para quem consiga abstrair das “complexas sequelas”. É que, embora Teresa Gafeira, no papel de Mãe, seja convincente quanto à transformação lenta e interior daquela mulher, outros aspectos do aparato cénico puxam mais para o lado do panfleto, o que dificulta uma distanciação crítica suficientemente confortável para espíritos menos esperançosos no tal Amanhã que Canta.
Mas nada melhor do que ir ver para aferir. Vale a pena.






Todas as referências são para textos incluídos seja no número dos Cadernos de Almada dedicado a este espectáculo, seja no número de Janeiro de 2010 do informativo “MaisTMA”. Saber mais na página da companhia. Daqui são provenientes as fotos do espectáculo.

[também aqui]