8.6.09

derrota e troco



Alberto Savinio, Objectos na Floresta, 1928



(1) Para mim hoje é dia de digerir a derrota política de ontem. O que acho sobre isso a nível europeu já aqui escrevi ontem - e não precisei de esperar pelos resultados. Mas acho que ainda me apetece dizer mais qualquer coisa sobre este ponto na sua dimensão nacional.

(2) Esclareço, para quem tenha dúvidas, que nada disto me afecta nada em termos pessoais - não tenho coisa nenhuma e não faço coisa alguma que dependa de quem mande. Nem preciso de anonimamente insultar blogueiros em caixas de comentários para tirar partido da vida e sentir-me recompensado. Quer dizer: é a coisa pública, exclusivamente, o que me interessa neste tipo de guerras.

(3) Não acho boa coisa tentar disfarçar a derrota. Pesada. A peregrina ideia de tapar a derrota nas urnas com uma sondagem desactualizada pela própria dinâmica dos acontecimentos - pode ser interessante como produto comunicacional, mas é uma insensatez política.

Posto isto, ...

(4) A principal preocupação que me acompanha, agora como antes, é a da governabilidade. Portugal é um país pobre, com falta de qualificação das pessoas e das organizações, com um Estado fraco e insuficiente, em que a falta de sentido da responsabilidade é larvar - e não sairemos desse estado se cedermos por sistema a toda a colecção de egoísmos de grupo que continuam a ser a matriz básica da nossa vida colectiva. E há uma fatia grande do "povo de esquerda" que não compreende isso. E não será possível dar uma resposta política a essa situação se não se compreender o fenómeno de fragmentação da esquerda que levou ao estado lastimoso (por exemplo) da esquerda francesa. Aqueles que pensam que sairão vencedores desta situação varrendo os socialistas da cena - serão os arquitectos de uma paisagem política à francesa, com uma direita instalada e sem verdadeiro contraponto.

(5) "Modernizar" Portugal não é compaginável com uma falta de empenho suficiente em fazer de nós um país mais justo, com mais equidade. O capital continua a valer mais do que o trabalho - não marginalmente mais, mas escandalosamente mais. E não haverá "progresso" nenhum que não passe por uma transformação radical e acelerada deste quadro. Essa bandeira é uma bandeira de esquerda que tem de ser assumida por quem queira governar o país à esquerda - mas essa bandeira só pode mobilizar uma base de apoio forte se acompanhar um programa de desenvolvimento que não nos condene às visões assistencialistas da esquerda.

(6) Para o principal partido da esquerda portuguesa, o PS, isto implica mais do que meramente insistir na necessidade de uma maioria absoluta. Até porque, agora, essa insistência pode virar o feitiço contra o feiticeiro. Para o PS isto implica: manter em cima da mesa as grandes orientações do governo nesta legislatura (até porque ninguém compreenderia, e ninguém compensaria, cambalhotas apressadas) e, ao mesmo tempo, abrir um novo tipo de diálogo com os sectores políticos que têm o apoio dos grupos sociais que, no entender do PS, deveriam ser os beneficiários da política que tem seguido no governo. Em suma: a "esquerda moderna" não pode ser uma espécie de terceira via, a "esquerda moderna" tem de ser uma nova proposta para revitalizar a esquerda. A esquerda toda. É que não há soldados a mais nesta batalha.

José Sócrates não resistiu à escolha dos eleitores