No passado dia 19 de Junho, o Público dava à estampa, na secção "Cartas ao Director", um pequeno texto subscrito por Ricardo Charters de Azevedo, intitulado "A vida era mais cara antigamente". Vamos reproduzir aqui essa "carta", porque ela nos dá uma ideia das ilusões em que caímos por vezes devido à incapacidade de colocarmos em perspectiva o nosso presente. Gostaríamos de ver as mesmas contas feitas para o nosso país, mas, em geral, a tendência deve ser a mesma.
«Objectivar a perda do poder de compra, a fim de ultrapassar o estado das impressões e ideias feitas é uma tarefa delicada. Tal é devido a uma simples e boa razão: as comparações onde o tempo é um parâmetro são difíceis. Não é porque um pão custa hoje muito mais que custava há 25anos que podemos concluir que ele é mais caro. Tudo depende da evolução dos salários durante esse lapso de tempo. Será que o poder"de compra ficou intacto através destes25anos? O economista Philippe Defeyt, do Instituto para um Desenvolvimento Durável, estudou o problema no contexto belga e calculou o tempo que era necessário trabalhar para adquirir 13produtos de grande consumo em três momentos: 1983, 1988 e 2008. E baseou-se sobre a evolução do salário médio a preços constantes e a duração do tempo médio do trabalho. Quanto ganhávamos à hora há 25 anos e quanto ganhamos hoje?
Conclusão? Não há uma verdadeira perda do poder aquisitivo. A maioria dos produtos são menos caros ou têm o mesmo preço que em 1983. Alguns resultados são impressionantes. Era necessário, a um belga, trabalhar 1h02 para poder adquirir um quilo de manteiga em 1983contra 34 minutos em Abril de2008. O pão, por exemplo, contrariamente ao que se possa pensar, custa hoje o mesmo (em termos relativos) que há 25anos, i.e, 11 minutos de trabalho. Os ovos, o leite, ou o pão são mais baratos. E um automóvel utilitário, ou um electrodoméstico, são muito mais baratos que há 25anos.
Há 25 anos, um belga necessitava de trabalhar 6h15para encher um depósito de 40 litros de gasolina, quando em Abril deste ano tinha somente de trabalhar 5h25.
A longo prazo, para os produtos de consumo base, podemos dizer que ganhamos poder de compra. Mas como explicar estes factos e a percepção de que pagamos mais e que o dinheiro não chega ate ao final do mês? Esquecemo-nos da existência de despesas que não tínhamos há 25anos, como o telemóvel, as férias, a Internet, o consumo de electricidade e de água devido a novos electrodomésticos e a ida ao restaurante, por um lado. Por outro... a nossa má memória.»
Assina: Ricardo Charters de Azevedo