A disputa entre Hillary e Obama nas primárias democráticas americanas é um bom espelho da política dos nossos dias.
O senador Obama nunca explicou ao que vem e apoia-se em chavões vazios para espalhar o seu charme. Tanto o vazio como o charme são coisas que vendem bem no mercado das aparências que domina a política ocidental.
A senadora Clinton preparou-se a vida toda para o posto que mais ambiciona, coisa que é aconselhável em qualquer político sério. Mas tornou-se tão nítido o seu profissionalismo que afastou os que pensam com o coração (e o coração importa muito). E, provavelmente, está a pensar mais nela mesmo do que no país.
E, mais uma vez, uma parte da questão política decide-se na secretaria: estados importantes vão estar subrepresentados na convenção democrata por razões formais. É claro que o respeito pela "forma" é parte importante da democracia, mas é arriscado dar a ideia de que os democratas não são imunes ao tipo de expediente que deu a (falsa) vitória a Bush sobre Al Gore.
Pior do que isso só a evidência de que o racismo e o sexismo continuam decisivos: muitos não votariam Obama por ele ser preto, muitos não votariam Hillary por ela ser mulher.
E essa é para mim a questão "civilizacional" que está em causa. Há tempos uma amiga chocou-se quando lhe perguntei: é mais interessante ter o primeiro preto como presidente dos States ou ter a primeira mulher no lugar? Mas essa é a minha questão. E é pena se não for nem um caso nem o outro. Como provavelmente não será, no final das contas.