18.7.07

Zita Seabra afinal se calhar não mudou muito


Em mais uma peça de uma polémica que anda por aí a propósito da criação do Serviço Cívico Estudantil a seguir ao 25 de Abril, Zita Seabra, hoje no Público, parece mostrar que afinal não mudou muito.

O título da sua peça é “Não sabia ter sido tão importante” e consubstancia-se na seguinte frase: “Não sabia que em 1974, com 24 anos, eu, “chefe” da UEC [União dos Estudantes Comunistas], mandava no Ministério da Educação.” Se não for pura hipocrisia, é amnésia: Zita Seabra sabe, melhor do que o comum dos mortais, que para um verdadeiro comunista à velha maneira quem manda é “o Partido”, não são os órgãos de Estado. Os militantes comunistas destacados no aparelho de Estado devem, para serem verdadeiros comunistas, limitar-se a executar a linha e as decisões do “Partido”. Portanto, a controleira da UEC podia perfeitamente mandar no Director-Geral, ou até no Ministro, desde que estivesse assim a fazer aplicar a linha do “Partido”. Basta ler o recente livro de Zita para estranhar que ela tenha esquecido isso.

Ou trata-se apenas de hipocrisia de quem se habituou a usar essa arma como forma de exercício da política? Infelizmente, essa hipocrisia parece continuar a estar no seu estojo de ferramentas. Mais à frente no mesmo texto discute-se se António Hespanha, militante comunista que era então director-geral do ensino superior, teria ou não concordado com o Serviço Cívico. O que Zita pretende, contra a tese de Luísa Tiago de Oliveira, é que Hespanha certamente concordou com tal medida – e não se pode pensar que teria discordado. O argumento é este: “(…) como é possível que não se tenha ouvido uma palavra de discórdia, um grito de dor? Ou o senhor professor queixou-se? Onde? Sendo certo que não se demitiu, será que foi obrigado a ficar à força director-geral? Por quem?” Zita Seabra quer fazer crer que tudo isso seria impossível. Mas não, não era. Era assim que se funcionava no universo comunista. E ela, Zita, continua apenas a usar os mesmos truques retóricos que na altura deveria usar como controleira.

Zita Seabra manipula o que as pessoas comuns pensam ser a normalidade. Argumenta como se ignorasse que certas coisas estranhas realmente aconteciam. Por exemplo, poderia fazer-nos pensar que seria impossível que ela, controleira de uma organização partidária de juventude, tivesse sido levada a Conselho de Ministros para aconselhar Álvaro Cunhal. Hoje acharíamos isso impossível. Mas aconteceu – pelo menos é o que ela diz. Ao mesmo tempo quer-nos fazer acreditar que eram impossíveis coisas que aconteciam todos os dias naqueles tempos e no “universo comunista”.

Nada me move especificamente contra os comunistas. Nem contra os ex-comunistas. Discordo ou condeno coisas concretas que se fizeram, se defenderam ou se toleraram, principalmente quando se possa falar propriamente de “cumplicidade”. Mas fazem-me impressão os ex-comunistas que parecem continuar a viver dentro do mesmo casulo retórico, com os mesmos tiques. Embora usando-os agora para outras artes.

Se calhar, afinal Zita Seabra não mudou muito.

Mas pode alguém, afinal, mudar?