24.7.07

Mesmo num filósofo, mesmo num amigo, o atrevimento da ignorância é uma vergonha


Desidério Murcho é uma pessoa que eu prezo, desde os tempos em que fomos colegas de faculdade. Além disso é um filósofo, menos dogmático hoje do que já foi no passado. Com vistas mais largas hoje do que já teve no passado. E muito competente naquilo de que se ocupa profissionalmente. Por isso tudo me custa muito dizer o que a seguir tenho de dizer.

Desidério Murcho escreve hoje no blogue De Rerum Natura um post intitulado A tia do "eduquês". O objecto imediato do dito post é a chamada "Área de Integração", que é, para simplificar sem faltar à verdade, uma disciplina dos cursos das Escolas Profissionais. Não vou entrar propriamente nessa matéria. Limito-me a ler o que o autor escreve sobre o próprio Ensino Profissional, dessas Escolas Profissionais assim visadas.
Escreve Desidério: «Recorde-se que este é um programa para os filhos dos pobres, que são demasiado estúpidos, no entender do ministério, para seguir a escolaridade dos outros: irão assim optar por uma ilusória escolaridade profissionalizante, que nenhuma profissão irá proporcionar, excepto as mesmíssimas profissões não especializadas — e mal pagas — que eles teriam sem tais cursos. Seria menos mau se realmente se ensinasse uma profissão aos adolescentes dos cursos profissionais — qualquer coisa de palpável. Mas não só não se irá ensinar tais coisas, porque a escola não tem competência para isso, nem há necessidade de a ter, como se procura complementar tais cursos práticos com uns pós de “cultura”.»

Lamento dizer-te, Desidério, meu caro, pessoa que estimo, que estas tuas afirmações revelam pura ignorância. Quando falas em "ilusória escolaridade profissionalizante" não sabes o que dizes, falas de cor. Quando dizes que tal escolaridade "nenhuma profissão irá proporcionar", é certo que ignoras o que se faz nas Escolas Profissionais. Quando dizes que as Escolas Profissionais atiram as pessoas para "profissões não especializadas e mal pagas", revelas não ter feito os trabalhos de casa.

Quantas Escolas Profissionais conheces? Não digo entrar pela porta dentro e visitar as instalações, digo conhecer. Saber o que se ensina, quem ensina, quais são as saídas profissionais, o que fazem os alunos depois de diplomados, que profissões vêm a ter, que carreira escolar têm a seguir, para que empresas vão e o que lá fazem, o que ganham e como progridem, que outros estudos fazem a seguir. Alguma vez fizeste isso ou limitas-te a ler programas e a desenvolver as tuas preferências teóricas pré-formadas e politicamente condicionadas? Tens alguma ideia do que as Escolas Profissionais significaram e significam em termos de renovação da educação em Portugal? Alguma vez visitaste empresas onde trabalham ex-alunos das Escolas Profissionais?

Meu caro Desidério: sei do que falo, porque trabalhei no sistema e porque estudei as suas glórias e misérias. Não me vou alongar em pormenores, porque tenho mais do que fazer do que explicar-te tim-tim-por-tintim tudo aquilo que devias saber antes de abrires a boca sobre coisas que, pelos vistos, não conheces. Não me pagam para isso. Mas lamento - não a tua ignorância sobre esse ponto, porque não temos de saber de tudo - mas que embarques com os que se fazem passar por entendidos em domínios que, manifestamente, ignoram.

Custou-me escrever isto, caro Desidério. Espero que a sinceridade seja considerada um atributo da amizade.