16.7.07

Posta para irritar os meus amigos de esquerda (ou "os caminhos ínvios das autárquicas em Lisboa")


As eleições Lisboa 2007 acabaram, passemos às eleições Lisboa 2009. Quer dizer: o que me interessa é já o futuro eleitoral de Lisboa. O que fará Costa em termos de alianças? Não sei, mas quero analisar a coisa na perspectiva das tendências eleitoras de longo prazo na cidade de Lisboa.

A existência de mais de 25% dos votos da capital em candidatos independentes significa que esta é uma oportunidade de ouro para tentar reestruturar o eleitorado de Lisboa. Pode ser que tenhamos entre mãos um fenómeno parecido com o proporcionado em tempos pelo PRD de Eanes ao nível nacional: uma fatia do eleitorado de esquerda votou PRD como voto de descolagem dos seus partidos tradicionais e nas eleições seguintes estava livre para votar na direita, no PSD de Cavaco - o que fez, dando a este a primeira maioria absoluta monopartidária.

Em Lisboa, o PS há quase 30 anos que tinha uma margem de manobra relativamente pequena: depois de Aquilino Ribeiro, em 1976, ficou durante muitos anos atrás dos comunistas quando concorria isolado. Com Sampaio, e as coligões de esquerda que este promoveu, e que João Soares continuou, e com o bom governo que essas coligações de esquerda deram à cidade, o PS progrediu mais de 10% no seu peso eleitoral permanente. Isso permitiu-lhe agora, em circunstâncias especiais, ficar em primeiro lugar - mas muito longe da maioria aboluta.

Como poderá António Costa aspirar a ganhar com maioria absoluta em Lisboa daqui a dois anos? Governar bem é condição necessária, mas não suficiente, para esse desiderato. Para aspirar à maioria absoluta daqui a dois anos, o PS e António Costa têm de aproveitar as possibilidades de reestruturação do eleitorado que as circunstâncias permitem. A maior fatia dessa oportunidade é o eleitorado de Carmona, que pode voltar ao PSD ou ser captado pelo PS na próxima volta. A lista de Carmona pode ter sido o atalho para uma fatia do eleitorado do PSD se juntar ao eleitorado do PS, libertando o PS da obrigatoriedade de fazer alianças à esquerda.

Não é que eu seja contra alianças do PS à esquerda em Lisboa. Aliás, dada a fragmentação política da capital, Lisboa provavelmente só será governável com estabilidade na base de alianças, PSD/CDS ou PS/PCP/BE. O problema é que a luta de morte entre o PCP e o BE em Lisboa, cidade onde o BE aspira a mostrar ao país que os "socialistas de esquerda" valem mais do que os comunistas, torna extremamente difícil de negociar uma nova e futura coligação de esquerda. Se o PS quiser, de futuro, ter a opção de tentar uma coligação de esquerda ou de tentar uma maioria absoluta, precisa de reestruturar profundamente o eleitorado de Lisboa durante estes dois anos. E o alvo dessa operação será, essencialmente, o eleitorado de Carmona Rodrigues.

Quer isto dizer que António Costa terá de coligar-se com Carmona para governar Lisboa? Não necessariamente. Mas terá, certamente, de visar o objectivo de esvaziar Carmona e ficar-lhe com o eleitorado. O que passa, certamente, por não o erigir em principal inimigo. Coisa que, dita assim com esta clareza, faz com que os meus amigos de esquerda se irritem comigo e repitam tudo o que se sabe sobre Carmona. E que eu insista: estão já todos a pensar em 2009. António Costa também. E faz bem, porque não é em dois que vai mudar grande coisa. Dois anos vão dar apenas para mostrar que é ele quem pode fazer melhor. Para a seguir pedir que lhe dêem condições para isso. A campanha eleitoral, a campanha eleitoral mais longa e mais importante dos últimos quinze anos em Lisboa, está só a começar. E vai durar dois anos.