11.7.07

Flexigurança, again

António Chora, coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, escreveu um texto no blogue Arrastão, intitulado "Querem mesmo aprender com a Autoeuropa?". O texto de A.C. é muito interessante – e muito importante por dar a ver alguns aspectos essenciais da questão. Sublinhamos alguns.

(1) As empresas têm de pôr qualquer coisa “do seu bolso” na balança dos pesos e contrapesos que estimulam e compensam o empenho dos trabalhadores. Não podem ficar no “todos fazem assim, nós também”. No texto de A.C., isso traduz-se, por exemplo, nos 22 dias “não trabalháveis” que a empresa “oferece” por ano aos trabalhadores. É uma “benesse” extra, mas que está pensada para ser uma almofada a que a empresa pode recorrer se o trabalho apertar: esses 22 dias podem ser de trabalho se isso for necessário e eles são distribuíveis por mais do que um ano (há um crédito actual transferível para o ano seguinte). Quer dizer: se a flexibilidade for pensada para responder a necessidades de produção, é natural que as empresas pensem em investir (mesmo financeiramente) nesses mecanismos.

(2) A flexibilidade não tem de ser “facilidade para despedir”. No texto de A.C. isso é claro: um dos pilares do acordo foi, precisamente, a garantia de um período plurianual durante o qual não haveria despedimentos. A flexibilidade deve ser, precisamente, um caminho para preservar e aumentar o emprego. Mais: a flexibilidade tem de contrariar as tendências para a precarização. O trabalho precário desqualifica as pessoas (as pessoas não podem investir em tornar-se mais produtivas) e desqualifica as empresas (adia permanentemente a qualificação dos seus recursos e está sempre a começar de novo, o que é típico da incapacidade de avançar).

(3) Estas dinâmicas de verdadeiro diálogo pressupõem “trocas”: eu dou e também recebo. Por exemplo: a Autoeuropa deu prémios aos trabalhadores (aqui parece que os trabalhadores ganharam); o custo do trabalho extraordinário ao sábado baixou de 200% para 100% (aqui parece que os trabalhadores perderam). As “trocas”, se tiverem um sentido económico, são interessantes para ambas as partes, porque a prosperidade de uma empresa que respeita o trabalho é também do interesse dos trabalhadores.

(4) É preciso pensar no futuro, não apenas no imediato: a aposta massiva em formação profissional de qualidade é que permitiu, no caso vertente, continuar a conquistar encomendas. O texto não diz, mas os períodos de formação já foram utilizados para absorver períodos mortos na produção.

(5) Os acordos mutuamente vantajosos têm de basear-se na racionalidade das opções: o que se faz tem de ter uma justificação, nunca resultar dos “caprichos do patrão”. A arbitrariedade tem de ser banida das relações entre pessoas: e as relações laborais são relações entre pessoas, não são relações entre peças de uma máquina. E isso faz-se pelo diálogo e pela negociação colectiva permanente e informada. Como bem sublinha A.C., na Autoeuropa há um diálogo permanente, reuniões semanais entre os representantes dos trabalhadores e a administração, onde esta presta adequadas informações fidedignas sobre a situação e o que está em causa. Não há aí a (in)cultura do segredo e da tentativa de desinformar os trabalhadores.

(6) Nada do que aconteceu na Autoeuropa resultou de qualquer obrigação legal. Resultou de parceiros responsáveis, com interesses diferentes, que souberam perceber o essencial e remar para o mesmo lado. Que é o que interessa na generalidade dos casos a todas as partes. E isso foi possível por os trabalhadores estarem organizados, serem capazes de tomar decisões e respeitá-las. E isso foi possível por a administração, “ensinada” por um modelo mais democrático de relações laborais, ser capaz de verdadeira negociação leal. É preciso dar mais força à representação do trabalho - e dar-lhe mais responsabilidade.

Agora, há um ponto em que discordamos de A.C. – quando parece que ele entende que nada disto que se passa na Autoeuropa é flexigurança. Pois nós achamos que ISTO É FLEXIGURANÇA. O que não é flexigurança é a arbitrariedade pretendida pelos maus empresários. Não façam aos maus empresários o favor de lhes dar de barato o que eles querem: o que eles querem é que as pessoas pensem que flexigurança é liberdade para despedir. Pode, a alguns, dar jeito, em termos político-partidários, confundir flexigurança com liberalização dos despedimentos, com mais arbitrariedade patronal. Mas, por uma vez, não ponham a política partidária (o interesse de criticar o governo) à frente de tudo. Seria preferível, a bem dos trabalhadores, explicar que os empresários é que estão a compreender mal o que quer dizer flexigurança. E que a flexigurança implica mais segurança – a par com mais flexibilidade. Como na Autoeuropa. Onde os trabalhadores jogaram o papel que a maior parte do movimento sindical demonstra ser incapaz de generalizar – quando, precisamente aqui, poderia estar “ao ataque” em vez de estar sempre “à defesa”.