Deixo aqui, para registo, o artigo de minha autoria que o Público deu à estampa ontem (11 de Novembro) na sua edição em papel.
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1. Os partidos têm o dever de se focar no que entendem ser o interesse nacional. Creio ser do interesse comum que os partidos ofereçam alternativas democráticas à cidadania, permitindo escolhas claras de rumo e de equipa. Essa continua a ser a principal razão pela qual, fora de situações de emergência nacional, reputo de indesejável uma solução governativa assente no chamado bloco central, porque dificulta a construção de alternativas sólidas. Isso seria preguiça democrática, optar pela tranquila mediania em vez da construção de alternativas. Coisa diferente é a necessidade de um diálogo estruturado e produtivo com o PSD, não só para fazer funcionar a maioria constitucional, mas ainda para dar horizonte às políticas públicas que só dão frutos a longo prazo.
2. A solução política iniciada em 2015, liderada pelo PS, a que prefiro chamar Esquerda Plural, tirou o país das mãos da direita que se desculpou com a troika para aplicar um programa radical, devolveu direitos e rendimentos, retomou o investimento no Estado social, acabou com o conceito antidemocrático de arco da governação, devolveu credibilidade ao país na Europa – fez, pois, um grande trabalho. Ao PS evitou que tivéssemos ficado numa abstenção violenta que nos levaria para a mesma situação desastrosa do Pasok. E, note-se, com grande sentido de responsabilidade perante o país: o PS só contribuiu com o seu voto para derrubar o governo de Passos Coelho depois de assinados os acordos à esquerda que garantiam uma alternativa. Contudo, a atual crise política mostra que o formato dessa Esquerda Plural tinha fragilidades, às quais precisamos responder.
3. A democracia portuguesa conseguiu desenvolver o país em pluralismo, dando representação às grandes narrativas com peso na sociedade, tirando espaço às alternativas violentas. Recentemente, tem conseguido adaptar-se razoavelmente à emergência de diversas narrativas alternativas, através de uma representação parlamentar mais fragmentada. Esse fenómeno exige uma resposta inteligente, porque a fragmentação parlamentar implicará ingovernabilidade se cada partido entender que o mandato que o voto popular lhe confere requer que todas e cada alínea do seu programa seja inegociável. Se todos assim entenderem, só pode haver soluções políticas monocolores, que é precisamente o contrário daquilo que a fragmentação exige para lidarmos com ela de forma democrática. As forças políticas têm o dever de encontrar mecanismos para a composição de soluções que representem compromissos equilibrados entre programas diferentes, mas não antagónicos. O compromisso tem má imprensa, mas é indispensável numa democracia pluralista num mundo complexo.
4. Por isto, o PS deve dizer ao país que pretende governar com base numa maioria parlamentar que apoie explicitamente um programa de governo, escrito e claro, para que os portugueses saibam com o que contam, e esse compromisso de programa e de suporte deve ter o horizonte de uma legislatura. Consoante os resultados eleitorais, esse programa será o do PS ou o que resulte de um acordo escrito e de legislatura entre partidos. Devemos procurar esse acordo à esquerda e exigir que seja claro, para todas as partes, em que condições esse caminho será barrado, como foi agora com o chumbo do OE. Esta clareza é necessária, porque o país não pode perder mais tempo, temos de nos concentrar no trabalho pela recuperação social e económica, precisamos de uma legislatura de estabilidade e progresso, o país não precisa de mais surpresas como aquela que trouxe esta crise política. E, como fizemos em 2015, só impediremos um governo de direita democrática se existir alternativa de esquerda pronta a assumir a governação: nunca agiremos no sentido do vazio governativo.
Só esta ambição e esta clareza permitirá à Esquerda Plural construir uma resposta sólida aos desafios de um país que queremos mais desenvolvido e mais justo.
Porfírio Silva, 12 de Novembro de 2021