Em 2007 terminei o doutoramento em Filosofia das Ciências. Tinha introduzido, nessa investigação, um conceito: Robótica Institucionalista. A ideia de partida era simples: se queremos mesmo lidar com colectivos de robôs (Robótica Colectiva), deixemos de usar simplificações individualistas dos colectivos e vamos inspirar-nos nas instituições, essas complexas ferramentas que usam os humanos para se coordenarem em colectivos sofisticados. Uma parte das minhas apreciações sobre a Robótica Colectiva, simultaneamente admirativas e críticas, eram sobre o trabalho dirigido pelo Prof. Pedro Lima, do Instituto de Sistemas e Robótica (Instituto Superior Técnico). Ora, foi ele precisamente que me disse: então, vem para cá e vamos tentar fazer alguma coisa prática com as tuas ideias. E lá fui e assim se iniciou o "projecto" ou a "linha de investigação" que temos designado por Robótica Institucionalista.
Aprendi muito neste anos - tornei-me ainda mais admirador e interessado na robótica, tendo-me tornado também mais pessimista quanto ao que se pode fazer num horizonte próximo - e tive imenso prazer com a natureza multidisciplinar do nosso trabalho: fazer robótica com inspiração filosófica e com ferramentas das ciências sociais (nomeadamente, de algumas correntes heterodoxas da economia). Fui percebendo, a duras penas, que a multidisciplinaridade, sendo bonita para os discursos, é considerada um estorvo pela maioria dos investigadores, que precisam de "pontuar" nas suas respectivas carreiras e não se permitem "perder tempo" a perceber o que fazem investigadores de outras disciplinas.
Um looooooongo evento que agora termina ilustra bem estas tortuosas aventuras da multidisciplinaridade.
Com o tempo, os meus interesses em Robótica Colectiva (controlar sistemas de múltiplos robôs com conceitos sociais, institucionais) evoluíram para interesses em Robótica Social (robôs metidos em interacções inteligentes com humanos). Mais precisamente, os meus interesses fertilizaram-se mutuamente: robôs sociais (por interagirem com humanos) mas em colectivos alargados (e não apenas em interacções entre um robô e um humano). Quer dizer, passei a interessar-me por interacções sociais entre múltiplos robôs e múltiplos humanos, em ambientes informalmente humanos (e não em laboratórios robóticos feitos especificamente para serem amigáveis para as máquinas). E, sempre, usando conceitos institucionalistas.
Nesta aventura embarcámos três. O Pedro Lima, coordenador do meu laboratório no Instituto de Sistemas e Robótica, com uma enorme abertura de espírito e com uma imensa capacidade para juntar pontas dispersas, desde a ciência da computação à biologia, passando pela economia e a filosofia. O José Nuno Pereira, que veio da matemática para a robótica, passando pela biologia, e que, tendo caído neste caldeirão experimental, não teve medo e se agarrou à Robótica Institucionalista, tendo acabado por fazer o primeiro doutoramento científico num conceito que eu tinha lançado do lado da filosofia. E eu, ansioso de perceber tudo, omnívoro, mas sempre entre dois mundos, a tentar não naufragar em nenhum deles.
Estes três (ajudados pela participação e pelo entusiasmo de outros, de que é justo destacar o Prof. Rodrigo Ventura) tratámos de querer explicar isto ao mundo. Como? Fazendo uma série de experiências robóticas e computacionais inspiradas na minha abordagem filosófica (institucional) e, depois, escrevendo um artigo metade filosofia, metade robótica para uma boa revista de... robótica. Isso: uma artigo metade robótica metade filosofia para uma revista de robótica. Bom, abreviemos razões: não foi fácil, mas está feito. Está publicado (online first) e, confesso-vos, não podia deixar de celebrar. Por que hão-de ser tão difíceis estas coisas? Quando os revisores diziam "isto é difícil de entender", eu dizia para o Pedro e o Zé Nuno: "se eu, na licenciatura, me queixasse de que Heidegger era difícil de ler - e era -, em vez de tratar de dominar a dificuldade, não seria bem tratado; por que é que os cientistas, quando não percebem uma coisa, acham que a culpa é dos outros?". Estão a ver que os diálogos eram um pouco estranhos...
Ninguém festeja um "paper", como se diz nesta gíria, mas este quero festejá-lo. Podem ler a última versão dos autores aqui, podem ler a versão publicada (só para assinantes) aqui.
Deixo, a título de registo, o resumo do artigo intitulado: Institutional Robotics. Institutions for social robots.
The way human beings engage with material things in our environment is experiencing rapid modification. Human and non-human, natural and artificial creatures are on the verge of building unprecedented relations of sociability. This paper takes this process as a horizon for Social Robotics, advancing a new approach to coordinate systems of multiple robots within social spaces durably shared by humans and machines. Given the fact that institutions are the tools in use within human societies to shape social action over long periods of time, we use human-inspired institutions to deal with scenarios involving many-to-many human-robot lasting interactions. Our approach, Institutional Robotics, is inspired by leading economists and philosophers having dedicated sustained efforts to the understanding of social institutions. This paper: (1) advocates the importance of an institution-based approach for multi-robot systems (Institutional Robotics) in real-world human-populated environments, where many-to-many social interactions among robots and humans must be considered; (2) reviews experiments conducted (including novel experimental work) and methodologies used in the process of advancing Institutional Robotics. Both contributions pave the way for a new institution-based methodology to coordinate robot collectives, which stems from an inter-disciplinary approach based on robotics, social sciences and philosophy.
Foi esta reorientação dos meus interesses filosófico-robóticos que acabou por me levar ao Japão. Mas isso é outra história...