Entrevista à RTP. Sócrates defende reforço do subsídio social de desemprego e TGV para combater a crise.
Só vi a entrevista feita a Sócrates ontem na RTP1 lá para perto da meia-noite, dados outros afazeres. Traz esse facto a vantagem de dispor da gravação para poder confrontar alguma das fantasias que sempre surgem, se for o caso. E também a vantagem de que, entretanto, já dormi sobre o assunto e posso, agora, dar uma opinião.
A entrevista não foi uma grande entrevista. Não se falou de muita coisa que devia ter sido falada. Pareceu mesmo uma segunda edição de entrevistas anteriores, pelo conteúdo. O jornalista de serviço esteve baço, mas sem nunca perder a compostura. A jornalista do duo continua tomada pelo síndrome da irreverência juvenil : acha necessário dar alguns pulinhos para não parecer submissa, em vez de preparar perguntas inteligentes como método de desafiar o entrevistado. O entrevistado, naturalmente, acha mais fácil responder ao que lhe perguntam - embora pudesse tenta introduzir algumas outras dimensões.
O meu problema com a entrevista é que ela ignorou uma série de "novos" temas que hoje são incontornáveis, especialmente para um líder social-democrata (ou socialista, ou trabalhista), ainda por cima no poder. Exemplos? Vejamos, dispersamente.
Afinal, o que é que a crise mudou na concepção do papel do Estado?
Que novo tipo de regulação se espera para o sistema financeiro, o que podemos fazer a nível europeu e a nível nacional para termos garantias de que não volta a acontecer exactamente o mesmo daqui a poucos anos?
E que implicações tem tudo isto no modelo de integração de Portugal na UE?
O que é que tem de mudar na relação entre a economia da produção e a finança?
Como é que as reformas no sistema das relações de trabalho, recentemente introduzidas em Portugal, se estão a aguentar nesta prova de fogo?
Como é que a "nova vaga" de políticas sociais tem revelado encaixar as consequências sociais desta crise?
Haverá necessidade de desenvolver novas formas de solidariedade social para enfrentar a gama de problemas que esta crise iluminou? E isso trará novas exigências em termos de forma de vida?
Haverá necessidade de reformular o funcionamento de certos mecanismos para tornar o mundo do trabalho mais resistente a estes fenómenos, por exemplo reforçando o papel dos sindicatos na vida económica, e das empresas?
E há alguma coisa que as pessoas possam fazer para se preparar, como seja investir na educação e qualificação? E quais serão responsabilidades próprias das famílias nessa matéria?
E o que é que os socialistas têm a dizer de novo, e de diferente, acerca de tudo isto? O que é que, afinal, ser, como Sócrates diz, de "esquerda moderna", tem a ver com tudo isto?
Estas são apenas sugestões ao correr da pena para o que poderia ter sido uma outra entrevista a Sócrates. Será que uma entrevista destas é mesmo impossível no nosso país, com os nossos jornalistas, com os nossos políticos?