6.10.08

epistemologia da crise


(Cartoon de Marc S.)


Esta crise financeira actual mostra coisas curiosas quanto às formas que usamos para reflectir sobre a sociedade.
Há um certo número de comentadores que escrevem como se o capitalismo estivesse moribundo. Mas não está, porque há muitos capitalismos diferentes, porque o capitalismo é uma forma suficientemente genérica para ser reconhecível após muitas transformações de muitas das suas características concretas. Se isso é assim há tantas décadas, porque deixaria agora de ser?
Há outro sector de comentadores que escrevem como se os factos não interessassem nada à compreensão da realidade. É claro que não há factos brutos aos quais possamos ter acesso sem uma mediação das nossas interpretações. Mas, de qualquer modo, há factos que todos reconhecemos para além de qualquer divergência interpretativa. Alguns, não tendo o descaramento de negar esses factos, optam antes por dizer: pois, mas não muda nada. Isto não é nada. Tudo se recomporá.
Sim. Tudo se recomporá, provavelmente. Mas, também provavelmente, com algumas consequências. Algumas coisas vão mudar. Porque só um cego é que não vê que certas formas do capitalismo atingiram a pura irracionalidade. Porque certas teorias - as teorias segundo as quais o Mercado (com maiúscula) é quem melhor pensa desde que não interfiram com ele - é que deram estes frutos. Estes frutos podres.
São os que sempre defenderam essas teorias que deram estes frutos podres que agora dizem que os factos não existem.
Eles lá sabem.
Eu, se fosse a eles, partia de bicicleta para a Lua: porque nada no mundo os impede de confundir as suas teorias com a realidade.

[Mercados antecipam contágio da crise financeira ao resto da economia.]


[Director do FMI, Dominique Strauss-Khan: Resposta europeia à crise financeira deve ser coordenada e seguida de acção.]