8.5.07

Corrupção e cidadania


Que o governo pretenda chamar a atenção dos funcionários públicos para o facto de que a corrupção de servidores do estado existe, não pode ser tolerada, tem de ser combatida; que o governo tenha o projecto de "ensinar" os servidores do estado a reconhecer quando possa estar a acontecer corrupção daqueles que devem proteger (profissionalmente) o bem comum; que o governo assuma que esse flagelo tem de ser combatido pela denúncia da prevaricação - tem sido apontado por uma casta imensa de comentadores moralizantes como pidesco, bufaria, estímulo do espírito delatório, etc. etc. etc.

Confesso a minha estupefacção. Não me refiro à questão de sermos legalmente obrigados a denunciar um crime de que sejamos testemunhas. Não é uma questão legal o que aqui me traz. Refiro-me à ideia de civismo. Proteger o bem comum. Agir contra os que minam os fundamentos da vida comum. Contrariar os que roubam do bolo que é de todos. Impedir que interesses particulares ilegítimos assaltem a máquina humana que deve servir a comunidade. Obstar a que aqueles que são pagos para servir, em vez disso se sirvam a si mesmos por caminhos ínvios. Refiro-me à ideia de que o que é de todos deve ser protegido por todos. Para não ser "bufo" tenho de ser cúmplice dos que roubam e dos que atraiçoam a confiança que a comunidade neles deposita? Para não ser "pidesco" tenho de olhar para o lado quando alguém atraiçoa a sua missão de "servidor público"?

Estranha noção de comunidade é esta que subjaz a tais teorias: cada um que se safe, legal ou ilegalmente, desde que as autoridades (polícia, tribunais) não consigam incriminar-nos. Um povo que tem essa noção do funcionamento das suas insituições é realmente um povo pobre: pobre, porque lhe falta qualquer noção de comunidade civilizada, de bem comum, de dever partilhado, de responsabilidade, de coisa pública. Os teóricos do "fecha os olhos e deixa roubar quem rouba" são os teóricos da barbárie, da incivilidade, do salve-se quem puder. Os teóricos da selvajaria colectiva vestem as roupas da moralidade individual. Não é novo.