Não acredito numa palavra de Trump, não acredito que queira
a paz, nem que lhe interesse minimamente o respeito pelo direito internacional.
Quando Trump afirmou, em campanha, que conseguia a paz entre a Ucrânia e a
Rússia em 24 horas, estava, claro, a mentir – o que não se estranha.
No entanto, temos de admitir que Trump demonstrou que era possível agir para empurrar a Ucrânia e a Rússia para uma negociação. Trump é uma marioneta de Putin - compreende-se, eles são, superficialmente parecidos em termos de desrespeito pela democracia. Por isso mesmo, Trump não vai procurar uma paz justa, vai procurar beneficiar – mais precisamente, lucrar – com todo o processo. Até por isso, seria melhor que outros tivessem tomado a iniciativa de levar a Ucrânia e a Rússia para a mesa das negociações.
Então, porque é que Biden não tomou essa iniciativa? Porque
é que a União Europeia não tomou essa iniciativa? Teria sido preferível que
essa necessidade – provocar negociações para a paz – tivesse sido preenchida
por gente mais fiável do que Trump. É incompreensível que tenham ficado à
espera de Trump para que esse passo fosse dado.
Tudo isto tem, na base, um problema: o chamado
"Ocidente", com a derrocada da União Soviética, passou a desprezar as
preocupações de segurança da Rússia. A arrogância "ocidental”, convencida
de que podia "entalar" a Rússia, encostá-la à parede, aproveitando
esse momento de aperto, foi uma atitude míope. O "Ocidente",
literalmente, enganou Gorbatchev, aproveitando a fraqueza do seu país nesse momento, e tirou
tudo o que podia da situação, numa mesquinhez de vistas curtas, desprezando as
garantias que sugeriu ao homem da perestroika.
Qualquer estadista que tivesse feito a escola primária das
relações internacionais sabia que isso não podia durar no longo prazo. A
Rússia, por muitas fraquezas que tenha, é uma potência com um pé na Europa e a
Europa só pode ser segura para todos se todos sentirem que têm garantias de
segurança. Cercar sistematicamente a Rússia, encostar-lhe armas às suas
fronteiras, é irresponsável.
A Rússia é uma ditadura horrível. Mas nunca foi com isso que
o "Ocidente" governamental se preocupou. O "Ocidente" foi
oportunista, foi irresponsável, distraiu-se do ponto básico: só há segurança
para nós se houver segurança para todos. A Rússia desprezou o direito
internacional ao invadir a Ucrânia e o "Ocidente" esteve certo em
colocar-se do lado do invadido. Certo. Mas não chega. Era preciso ter começado
a preparar uma saída razoável para todas as partes. Era preciso ter levado a
sério o futuro, não apenas a crise presente.
A guerra é um limite existencial. A guerra é a suprema
irracionalidade. A guerra é o motor por excelência do sofrimento humano. É
insuportável ouvir falar de "vamos dar a vida por isto e por aquilo"
- sendo que só dizem isso aqueles que nunca irão à guerra ficar estropiados e
morrer. Ter esperado que chegasse Trump para começar a pensar como acabar com a
guerra, foi simplesmente uma irresponsabilidade e uma desumanidade. Não alinho
nos falsos pacifismos ingénuos, não é desarmados e à mercê das armas dos outros
que podemos contribuir para a paz; se não tivermos força nada podemos
determinar de positivo no avanço para a paz. Precisamos, na Europa, dos nossos
próprios meios para nos autodeterminarmos - mas temos de usar da nossa força
para construir uma segurança comum, porque não existe segurança só para um dos
lados.
Parece que quase todos os dirigentes políticos da Europa
esperaram pela chegada de Trump para compreender isso. Desgraçadamente.
