A comissão política nacional do PS aprovou esta sexta-feira de madrugada a proposta do secretário-geral, António José Seguro, para a abstenção nas votações na generalidade e especialidade do Orçamento do Estado para 2012.
Estamos falados quanto a esta direcção do PS. António José Seguro faz ofício de corpo presente, quer dizer, vota nim - independentemente do conteúdo do documento e independentemente da atitude da maioria quanto ao debate da proposta. A politiquice sobrepõe-se à política. Política é contrastar propostas, bater-se por elas, aquilatar do mérito relativo de cada posição, argumentar, representar ideias alternativas. Politiquice é ficar pelo aspecto geral das coisas. Seguro fica pela politiquice quando entrega os pontos (diz o que vai votar) sem apresentar as suas alternativas, sem dizer o que quer. Será que, afinal, o PS não quer nada de diferente do que propõe o governo? Ou será que o PS não faz ideia nenhuma de como fazer diferente? Isso seria grave, porque a única maneira de não exilar a política para a rua é manter a política (a alternativa) a funcionar dentro das instituições.
De passagem, para não colocar as coisas em termos de grupinhos dentro do PS, note-se que Francisco Assis, ex-candidato a califa no lugar do califa, defendeu basicamente a mesma posição que Seguro. Aliás, até a defendeu há mais tempo e em formato mais radical: defendeu o anúncio da abstenção antes de se conhecer o documento. António Costa, da sua torre de observação, é um homem de vistas mais largas: defende como princípio geral que o PS e o PSD, quando na oposição, devem, sempre, deixar passar os OE do outro partido no governo. Quer dizer: uma espécie de "bloco central" permanente e sem cláusulas em torno do principal instrumento de orientação política para cada ano. O rotativismo dos nossos dias - e a preguiça de fugir à luta política necessária, com nobreza - continua a cheirar bem à nobreza do PS. Nada que seja exclusivo de Seguro, portanto. O PCP e o BE agradecem: que não haja política entre PS e PSD, apenas convivência, é o seu seguro de vida.
Na medida em que, tendo chegado a SG do PS, Seguro não pode ser propriamente um distraído, fica nisto tudo qualquer coisa por explicar: qual a razão para Seguro se comportar deste modo? Infelizmente, a minha explicação é a mais tenebrosa. Seguro está, objectivamente, a partilhar um objectivo táctico com o seu amigo Miguel Relvas: consolidar a narrativa de que a culpa disto tudo aponta para Sócrates. Isso convém ao actual governo, para nos distrair das irresponsabilidades passadas do PSD, da campanha eleitoral mentirosa, da sua agenda ideológica com rabo de fora. Isso convém a Seguro (pensa ele), para calar os "socráticos". Essa é a única explicação possível para Seguro desistir de exigir ao governo as contas do "desvio colossal", a desculpa mentirosa para a austeridade brutal, que nunca passou de um script para cinema de animação. Seguro cedeu à tentação de se livrar do legado de Sócrates de mão dada com a propaganda do governo. Que esse tópico de táctica intra-partidária se possa sobrepor ao interesse nacional, é lamentável.
Provavelmente, algum encontro secreto já terá servido para prometerem ao SG do PS alguma compensação, em sede de discussão na especialidade, para esta rendição sem luta. Veremos. De qualquer modo, embora eu apoie conversações civilizadas e discretas entre partidos, a legitimação da política não se faz nos gabinetes, nem às escondidas. Pelo menos em democracia, os políticos e os partidos têm de mostrar as cartas com que jogam, para que os cidadãos possam ajuizar e tomar partido. Evitar o caminho da Grécia exige responsabilidade ao PS, sem dúvida. Mas também exige que as instituições funcionem, que sejam o lugar da luta política, se não queremos que se esvaziem para a rua. Se não queremos, com infelicidade, traduzir para o nosso país a sábia frase de Teresa de Sousa, em artigo no Público de hoje: «Se não houver rapidamente uma inversão de caminho, o risco deixará de estar nos mercados para passar a estar nos eleitores».