Passo a citar:
Maria Gabriela Llansol, “Está de volta o medo” ( texto enviado ao Parlamento Internacional de Escritores, reunido em Lisboa em Setembro de 1994, publicado no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias de 28 desse mesmo mês, agora parcialmente republicado no livro Europa em Sobreimpressão – Llansol e as Dobras da História, organização de João Barrento, Assírio & Alvim e Espaço Llansol)
[…] Tudo segue uma rota de exclusão da pujança. Instalou-se um processo imparável de exclusão; está de volta o medo, embora difuso e diverso, de uma exclusão ainda maior. Eu tenho medo que me excluam do texto, o meu vizinho sei que teme ficar desempregado, a rapariga que me ajudava nas limpezas temia todos os dias perder o marido, que andava com outra. Eu achava que o texto era o único necessário, mas ia dizendo que era tudo a mesma coisa, que eram nomes diferentes para o falcão que sentíamos faltar no punho. […]
Só agora viram os escritores que o corpo, a leste e a oeste, no Norte e no Sul, é impotente, não consegue, não consegue, está mal, sente-se mal, deprimido, sem alegria e desfalcado por não conseguir fazer o mundo. Só agora viram (mas onde estiveram, então, até agora?) que é o mundo que faz estes homens – sem-corpo-de-poder? Como, se perto e a longa distância, o querer, o desejar, um calor de amor, um pouco de sentido, alguns segundos de escuta atenta produzissem invariavelmente a catástrofe do contrário. Não é uma questão de boas intenções nem de boas vontades. Basta olhar os factos sem os cobrir com um véu de esperança, basta ler as histórias que os nossos textos contam. O homem comum está continuamente a ser excluído e espoliado da pujança. O único facto que volta a ser novo é que chegou a nossa vez. Ou pensava-se que tínhamos um estatuto de impunidade? Ou imaginávamos que a razia ia poupar os observadores? Que o corpo do narrador iria ser poupado? Mas porque é que o poder iria ter mais consideração por nós do que pelo comum dos mortais? […]
Maria Gabriela Llansol, “Está de volta o medo” ( texto enviado ao Parlamento Internacional de Escritores, reunido em Lisboa em Setembro de 1994, publicado no JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias de 28 desse mesmo mês, agora parcialmente republicado no livro Europa em Sobreimpressão – Llansol e as Dobras da História, organização de João Barrento, Assírio & Alvim e Espaço Llansol)