Passo a citar.
[...] Todavia, impõe-se também que se veja a democracia de uma maneira mais geral, como capacidade para reforçar a participação ou comprometimento discursivamente sustentados por meio de um alargamento das disponibilidades informacionais e da viabilidade de discussões interactivas. Há que julgar a democracia não só tendo em vista as instituições formalmente existentes, mas atendendo igualmente à medida em que se fazem efectivamente ouvir as vozes dos diferentes sectores da população.
Mais ainda. Esta maneira de olhar para a democracia pode vir a ter impacto também na prossecução da mesma a nível global - e não apenas no seio de cada estado-nação. Se a democracia não for vista tão-somente em termos de constituição de específicas instituições (tal como um órgão de governo global ou eleições à escala mundial), mas também na perspectiva da possibilidade e do efectivo alcance de uma argumentação pública, então, fazer progredir - ao invés de meramente aperfeiçoar - tanto a democracia como a justiça mundiais já não nos parecerá uma ideia incompreensível, e é plausível que ela venha a inspirar e a influenciar acções práticas transfronteiriças.
Amartya Sen, prefácio a A Ideia de Justiça, pp. 16-17 (em português, na Almedina)