Alexandre Abreu, no Ladrões de Bicicletas, a defender a tese de que, em matéria de "inovação social", de boas intenções está o inferno cheio:
«Os discursos e práticas das políticas sociais e do desenvolvimento são regularmente tomados de assalto por novas modas (...): Empoderamento (“empowerment”), microcrédito, capital humano, capital social ou inovação social são apenas alguns dos exemplos mais salientes das últimas três décadas. (...) Não é por acaso que cada um dos exemplos indicados em cima tem servido funcionalmente, de uma forma ou de outra, a agenda neoliberal (...). Ou como um conceito transgressor e progressista se torna funcional no contexto neoliberal – e como de boas intenções está o inferno cheio.»Paulo Pedroso, no Banco Corrido, replica que o inferno está é cheio de grandes teorias que nada mudaram:
«[D]o microcrédito à inovação social, passando pelo empowerment, tenho uma visão completamente diferente de Alexandre Abreu do que deixaram. Nenhuma delas tornou o mundo pior do que era e se nenhuma delas provocou a revolução que alguns desejam, também não vejo onde integraram a ortodoxia neoliberal, que as olha da altura do poder com um misto de desdém e simpatia condescendente. Mas mudaram vidas. Poucas? Algumas. Mesmo assim, talvez milhões, um número que nunca me parece pequeno. (...) [D]esprezar as experiências localizadas, tratadas como "funcionais" ao modelo actual é negar o poder das práticas minoritárias e alternativas, localizadas e diferentes e, se o inferno está cheio de boas intenções, está ainda mais cheio de retóricas e grandes teorias que nunca conseguiram inspirar nenhuma acção transformadora. »Acho que vale a pena cotejar os dois textos. Acho que nenhum deles tem completa razão. Alexandre Abreu parece-me demasiado apressado a desconsiderar a importância de experiências micro que, não sendo revolucionárias, retiram pessoas dos dentes mais aguçados da engrenagem - e podem, eventualmente, servir de exemplo da possibilidade de se construir outra vida. Paulo Pedroso parece-me demasiado benevolente com experiências que, dando resultados simpáticos para muitas pessoas, podem por vezes ser apenas a face pós-moderna da velha estratégia da (falsa) caridade servindo para evitar que se pense em verdadeira justiça social. Acrescentaria, contudo, o seguinte: "por nossas mãos, por nossas mãos". Quer dizer: acredito já muito pouco em transformações sociais globais que não passem pela experimentação micro e pelo envolvimento concreto e responsável de cada um.